quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Heterossexualidade dissidente

Dissidência é discordar do que é instituído e muitas vezes considerado natural. No entanto, a luta do dissidente não ocorre como a luta dos opositores. A oposição é um grupo maior que não se exclui e enfrenta legalmente o poder estabelecido. A dissidência é um grupo menor que discorda do regime, mas exclui-se de enfrentá-lo diretamente.

No post abaixo intitulado "Diversidade Sexual", reproduzo uma nota de rodapé de um artigo cujos autores descrevem os usos da expressão "diversidade sexual". No meio da explicação, utilizam-se de outra expressão: "heterossexualidade dissidente", associando-a a transgêneros que, apesar de questionarem as normas de sexo e gênero, vivem relacionamentos “heterossexuais”.

Na revista "Junior", ano 2, #12 (agosto 2009), a reportagem "Às avessas" traz o exemplo de Karen, uma lésbica, e Rhayana, um travesti, que formam um casal nada convencional, inclusive para o "time"! Karen não se reconhece como transexual: "sou sapatão, lésbica ou qualquer outro adjetivo que simbolize a vontade de estar com uma mulher", e elogia a feminilidade e o corpo da companheira, considerada uma "mulher mais que perfeita". Mas é como homem que a vê Rhayana: "Não sei como seria caso ela deixasse o cabelo crescer e aparentasse uma mulher. Ela é vaidosa, mas sempre pelo lado masculino". Ambas discordam quando o assunto é nomear o tipo de relacionamento que vivenciam. Para Karen, "versátil" é a palavra mais adequada, já Rhayana acredita formarem um "casal biologicamente heterossexual". "Temos sexos biológicos diferentes: um pênis e uma vagina", explica a travesti.

Assim, se pensarmos anatomicamente, Karen é considerada uma mulher e Rhayana um homem. No entanto, Karen é uma mulher que gosta de mulheres e Rhayana um homem que gosta de homens, colocando em cheque a escolha de ambos. Acontece que, performaticamente, Karen aparenta ser homem e Rhayana mulher. Fechou! ...Fechou? E na cama? Uma lésbica que irá encontrar na cama um corpo feminino que inclui um pênis e um travesti que encontrará uma vagina cheia de atitude! Mas isso é ser lésbica? Isso é ser travesti? Ele justamente não se fantasia de mulher para conquistar um homem?

A questão é que estamos muito presos aos conceitos de identidade e representação. Temos uma ideia instituída e construída historicamente do que é ser mulher, homem, masculino, feminino, o que já dificulta conceber a homossexualidade, ainda mais uma lésbica namorar um travesti! Tentar definir e redefinir identidades é estar preso a "a prioris" e as novas formas de se relacionar serão motivo de surpresa e espanto, quando não horror. Assim, a Karen irá sempre ser vista pela "classe" como exceção ou aberração, a não ser que lute e faça incluir no "manual da lésbica" seu comportamento antes estranho. No entanto, outras estranhezas continuarão aparecendo à margem. Não é mais fácil desistir do “manual”?

Karen e Rhayana são designados "heterossexuais dissidentes": "heterossexuais" tomando-se como referência sua anatomia e "dissidentes" por subverterem, mesmo que não de uma forma organizada legalmente, a identidade que entende por heterossexual a relação de um homem masculino com uma mulher feminina. Andam pelas ruas de Curitiba de mãos dadas, sem se preocuparem com os cutucões e apontamentos, promovendo o que Guattari chamou de "micropolítica do desejo".

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