segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Elas não são gays?!




A reportagem a seguir, enviada por um amigo de sampa, JP, chamou minha atenção. Trata-se de um casal de mulheres de Blumenau, psicanalistas e professoras universitárias, que conseguiram o registro dos gêmeos, filhos biológicos de uma delas, no nome de ambas. As professoras são casadas e não se consideram homossexuais, pois ambas assumem diferentes "posições" no relacionamento, uma é masculina e a outra, feminina. Vale a pena ler...


Michele e Carla são casadas, têm filhos, mas afirmam não ser homossexuais.

Quando conhecem alguém, Michele Kamers e Carla Cumiotto fazem questão de se apresentar sem deixar nada por dizer: “Somos casadas, fizemos inseminação artificial em São Paulo e temos dois filhos”. Elas preocupam-se em deixar tudo claro por acreditar que são as dúvidas e sombras que alimentam maledicências e preconceitos. E, como formaram uma família diferente do padrão convencional, querem que seu casal de filhos cresça numa sociedade preparada para recebê-los. Conheci essas mulheres extraordinárias dias atrás, quando as procurei com a proposta de contar sua história. O resultado desse encontro é a reportagem "A primeira nova família brasileira", publicada na atual edição de ÉPOCA.

Michele e Carla conquistaram na Justiça o direito de registrar seus gêmeos, de 2 anos, no nome de ambas. Até agora só tinham o sobrenome de Carla, a mãe biológica. Michele não aceitava a ideia de ter de entrar com um pedido de adoção. Ela desejou esses filhos, acompanhou o processo de inseminação, via banco de esperma, esteve ao lado de Carla durante toda a gestação e no parto por cesariana, e cria junto com Carla os dois filhos na casa que ambas compraram. “Eu não poderia adotar meus próprios filhos”, diz. “Eles nasceram do meu desejo, tanto quanto do de Carla.”

É a primeira vez que a Justiça brasileira reconhece um vínculo exclusivamente afetivo, simbólico, como parental. Não há nenhum traço biológico ligando os gêmeos a Michele. Mas ninguém que conhece a família, assim como o juiz Cairo Roberto Rodrigues Madruga, da 8ª Vara de Família de Porto Alegre, tem qualquer dúvida sobre o fato de eles serem tão filhos de Michele quanto são de Carla. A surpresa é que uma das maiores vitórias na área dos direitos dos LGBTTTS é de um casal de mulheres que afirma não ser homossexual – não por preconceito, mas porque acreditam que a questão é mais complexa do que parece. A sigla, cada vez maior porque há sempre uma nova diferenciação a incluir, significa Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Trangêneros e Simpatizantes.
Quando Carla e Michele disseram-me que não se identificavam como homossexuais, meu primeiro sentimento foi de estranhamento. Até então eu me considerava heterossexual – uma definição que identifica pessoas que costumam viver suas histórias de amor com o sexo oposto, mas que raramente é usada porque ninguém precisa ficar afirmando algo que é o convencional – e, principalmente, que é aceito. E homossexual era todo aquele que vivia relações afetivas e sexuais com o mesmo sexo. Simples assim.

Pelos amigos gays e por algumas reportagens que gostaria de ter feito, sempre soube que os arranjos eram muito mais complexos e interessantes do que isso. E que, ao reduzir a diferença a uma palavra ou mais palavras fechadas em seu significado, perde-se de vista um universo pleno de nuances. E nós, ditos heterossexuais, também somos reduzidos a algo que parece muito óbvio – e que de fato não é, ou pelo menos espera-se que não seja. Mas nunca fui provocada a pensar tanto assim no assunto.

Ao entrevistar o casal em sua casa, em Blumenau (SC), seus argumentos me levaram a uma série de novas questões. Ao final do primeiro dia, eu e o fotógrafo Marcelo Min pedimos uma garrafa de vinho, no hotel, e ficamos conversando sobre as tantas perguntas inusitadas que a reportagem nos provocava. Esse é sempre o melhor cenário para um repórter e para um fotógrafo que amam o que fazem: quando a pauta se mostra muito mais complexa do que parecia e nos desafia, também do ponto de vista pessoal, a indagações inéditas. Acredito que uma reportagem só acontece quando repórteres e personagens se transformam nesse encontro. E espero ter colocado nelas quase tantas pulgas quanto elas me colocaram.

Carla e Michele são psicanalistas, professoras universitárias, que pensam bem e têm um ótimo senso de humor. Formam um casal mais tradicional do que a maioria dos casais convencionais que eu conheço. Cada uma delas tem uma papel bem definido na relação: Michele ocupa a posição masculina e Carla a feminina – entendendo tanto o feminino quanto o masculino nas definições tradicionais inscritas na cultura. Carla sempre namorou homens – masculinos – e Michele é a primeira mulher de sua vida. “Não posso me identificar como homossexual porque sou atraída pela posição oposta”, diz Carla. “Gosto de homens e mulheres masculinos. Jamais beijaria uma mulher ou um homem feminino.” Na rua, Carla segue olhando para homens e, em geral, observa uma mulher quando se interessa por seus sapatos, bolsas ou roupas.

Michele namorou gente de ambos os sexos durante a adolescência, mas acabou fixando-se em mulheres femininas na vida adulta. Quando viu Carla, sua professora no curso de Psicologia, encantou-se pelo vestido justo, de um ombro só, e pelas unhas vermelhas. Ela mesma está bem longe do que seria o esterótipo de uma mulher masculina. Michele é bonita, veste-se com estilo, inclusive usando vestidos justos nas festas, usa brincos, colares e maquiagem, tem luzes no cabelo pelos ombros. Mas, por um sentimento intangível, qualquer um que se aproxima dela sabe que ela é masculina, mas não no sentido de se parecer a um homem, mas masculina como só uma mulher pode ser.

E, para ciúmes de Carla, que descobriu-se com a novidade de um marido circulando predominantemente entre mulheres, Michele mesmo sem querer desperta paixonites entre garotas homo ou heterossexuais. Mas também não consegue ver-se como homossexual. “Hoje existem diversos modos de ser mulher, inclusive ser mulher e ter uma posição masculina. Do mesmo modo que é possível ser um homem na posição feminina. Não é preciso cortar o pênis para ter um lugar social. Muita gente, ao mudar de sexo, está resolvendo na anatomia uma questão psíquica, uma questão de reconhecer-se no corpo que se tem”, diz. “Acho que uma mulher precisa ser muito mulher no sentido de não ter medo de ser confundida com um homem. Me vejo como uma mulher masculina que gosta de mulheres femininas.”

Carla e Michele não frequentam guetos gays, como bares, restaurantes e danceterias. A maioria de seus amigos poderia ser identificada como heterossexual. “Todo o gueto – e não apenas o homossexual – visa excluir a diferença. Seja ele ideológico, religioso, racial ou sexual”, diz Michele. “E nós acreditamos que é o confronto com as diferenças que nos faz avançar, que nos apresenta novas possibilidades de existir, que nos permite a invenção de uma vida melhor. Nas ocasiões em que tentaram eliminar as diferenças, determinar que só existia uma forma de viver, foi muito triste, como no nazismo e no fascismo.”

Como a questão de ser ou não homossexual tangenciou as cinco horas de entrevista, Carla e Michele ainda me enviaram um email, com o objetivo de clarear sua posição. É Carla que escreve primeiro: “Não nos reconhecemos como homossexual justamente por que, ao se apresentar como ‘homossexual’ nos parece que o sujeito reduz e condensa o conjunto de traços identificatórios que o define a apenas um: ‘o homossexual’. Ou seja, como se a partir desse momento deixasse de ter nome próprio, de ser filho, de ter uma profissão, de ter uma identidade de homem ou mulher. Somos mulheres e entendemos que, na vida, se é homem ou mulher. Para depois, a partir das determinações discursivas da época em que se vive, assim como a partir das marcas infantis, e assim como dos ‘bons encontros’ na vida, cada um vai se referenciando a partir do masculino ou do feminino enquanto posição psíquica. E isso vai determinar seu jeito de amar, de namorar, de fazer laço, etc. Por exemplo: No primeiro dia em que ficamos, quando fui tocar o corpo da Michele, me surpreendi que não tinha um pênis. Isso é só para te inspirar e te dar um exemplo de que o quanto o conhecimento da anatomia e da realidade é menos determinante que a dimensão do simbólico enquanto representação. Isso é para brincar um pouco do quanto existem mil e um ordenadores e arranjos possíveis no campo da sexualidade e, principalmente, uma infinidade de arranjos possíveis para um casal”.

O texto continua, desta vez escrito por Michele. “Gostaríamos de deixar uma interrogação: o que é apresentar alguém como homossexual, na medida em que nunca vimos alguém se apresentar como heterossexual? Ou ainda, como poderíamos aceitar essa representação se a idéia do homossexual faz alusão à atração pelo mesmo sexo, se o encontro entre mim e Carla diz justamente da atração pela diferença de posição? Ou seria o estereótipo ‘homossexual’ uma forma de anular a reflexão e de manter a ilusão de que não temos ‘nada’ comum para fazer laço?”.

Considerei as questões colocadas por elas tão interessantes que quis trazê-las para essa coluna. Tudo o que nos provoca a pensar sempre nos faz avançar. Concordar ou discordar não é o mais importante. Acho que as pessoas dão valor demais ao “concordo” ou “discordo” – e assim perdem ótimas oportunidades de aprimorar sua reflexão porque sentem-se ameaçadas quando algo abala suas convicções. Provocações intelectuais valem a pena porque nos fazem refletir para além do que pensávamos antes – e tornam possível chegar a questões que também superam as iniciais. Valem a pena porque nos fazem duvidar de nossas certezas. E esse é um excelente exercício para nos tornarmos pessoas melhores, que pensam mais e melhor e conjugam a tolerância. Se o método servir para alguém, sempre que algo me parece muito novo ou mesmo absurdo, eu faço um exercício que começa por um silencioso, mas nem por isso menos sonoro: “Será?”.

É necessário ressaltar que a denominação homossexual e seus derivativos foram usadas por muito tempo para discriminar. Até pouco tempo o “homossexualismo” era considerado uma patologia, um desvio. E há quem ainda defenda essa teoria. Por outro lado, com imensa coragem e obstinação, o movimento gay conseguiu transformar uma definição que era pejorativa em ação afirmativa, fundamental para a conquista de direitos. Foi preciso afirmar a diferença para conquistar o direito de existir. Fechar-se em guetos se impôs como um espaço de proteção diante de uma sociedade preconceituosa – e uma estratégia para encaminhar as questões legais com maior poder de pressão. Hoje, o próprio desdobramento da sigla LGBTTTS, que não para de aumentar em função de novas definições, mostra um caminho de abertura. O trinômio GLS (gay, lésbicas e simpatizantes) não abarca mais todas as diferenças. E possivelmente teremos uma sociedade melhor quando as diferenças não precisarem mais ser explicitadas numa sigla.

É por esse caminho que me parecem ir Carla e Michele. Elas não ocultam nenhum elemento de sua condição. Pelo contrário, apresentam-se com uma transparência pouco vista, mesmo em militantes da causa. É preciso observar ainda que elas não circulam por guetos, mas na universidade, na escola dos filhos, nos restaurantes da cidade, no clube, nos próprios consultórios. E não em São Paulo, uma cidade que pelo tamanho permite a vivência de todos os arranjos – mas em Blumenau, uma cidade de porte médio, conservadora, com população predominantemente de origem alemã.

Ao escutar a argumentação de Carla e Michele, fiz várias indagações sobre minha vida e analisei meus arranjos amorosos em retrospectiva. Provavelmente eu nunca lidaria bem com um parceiro com uma posição masculina tão determinada. Percebo que tenho muito forte em mim as duas posições – e as alterno nos jogos amorosos e sexuais. Homens muito masculinos ou femininos demais acabam por me desinteressar. Sou atraída por gente que mistura, me fascino pelas nuances. E provavelmente por isso meu casamento tenha sobrevivido não às pequenas, mas a pelo menos uma grande crise.

Gosto, numa história de amor, da liberdade de ser uma coisa e outra. E, embora já tenha me sentido atraída por mulheres – femininas e masculinas –, nunca aconteceu. O que não significa que não acontecerá. E me exponho aqui em reciprocidade à exposição dessas duas mulheres, que entenderam que tinham a responsabilidade ética de se mostrar, para que outros brasileiros pudessem refletir sobre uma questão tão importante. Não acho que meu jeito é melhor que o de ninguém – nem que o de Michele e Carla sejam melhores ou piores que todos os outros possíveis. Acredito apenas, por tudo que vi, ouvi e senti, que elas formam um casal interessante e criaram uma família bonita.

Saí dessa experiência de reportagem com apenas uma convicção pessoal. Não sou heterossexual. Não porque pretenda começar a namorar mulheres, mas porque cheguei a conclusão de que essa definição diz muito pouco sobre a complexidade do que somos. Está na hora de criar nomes mais fluidos, acho eu. Se alguém me perguntar se sou homo ou hetero, vou dizer: “Sou uma mulher às vezes masculina, às vezes feminina, que gosta de homens às vezes femininos, às vezes masculinos”. É mais complicado, sem dúvida. Mas é bem mais estimulante. E libertador.

Eliane Brum - Revista EPOCA

domingo, 29 de novembro de 2009

Woman in Art

"La vidéo "Women in Art", réalisée par Philip Scott Johnson, est une hymne impressionnante consacrée à l'histoire de l'art à travers l'image de la femme."

fonte: http://www.artgallery.lu/digitalart/women_in_art.html

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"Mudança de sexo: Cirurgia em debate na web"

"A Sala de Convidados, do Canal Saúde / Fiocruz, amplia o debate sobre a cirurgia de transgenitalização pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sexta-feira (23), às 13h. Muito mais que mudança de sexo, o procedimento envolve quebras de paradigmas para o paciente e para a sociedade. Um exemplo é o direito de alterar a certidão de nascimento.

A equipe de reportagem do Canal Saúde foi ao Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro, para acompanhar como está o atendimento. Lá, são realizadas duas cirurgias por mês.

Interativo – No programa Sala de Convidados, o público participa ao vivo pela WEB www.canalsaude.fiocruz.br, no chat, ou assistindo pela NBR e ligando 0800 701 8122. Se preferir, antecipe a participação pelo canal@fiocruz.br

Convidados – para discutir o tema com telespectadores e internautas estarão no estúdio a coordenadora da área de Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde, Lena Peres; a pesquisadora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Márcia Arán; e a consultora em Direitos Humanos da Aracê – Mobilização Social em Direitos Humanos, Feminismos e Transexualidade. O programa vai contar com a presença de um cirurgião para esclarecer dúvidas a respeito dos procedimentos médicos. A cirurgia de transgenitalização é de alta complexidade, chegando a durar até sete horas.

Identidade – Na semana passada (15/10), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por unanimidade que o transexual tem o direito, se assim pretender, de alterar sua certidão de nascimento, com relação a nome e gênero, após ter realizado, no Brasil, a cirurgia de transgenitalização.
O STJ acatou o recurso de um transexual chamado Clauderson – que pretendia adotar o nome de Patrícia – contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo pela qual no registro civil “prevaleceria a regra geral da imutabilidade dos dados, nome, prenome, sexo, filiação etc”. O TJ-SP sustentava que a afirmação dos sexos (feminino ou masculino) não obedece a aparência, mas a realidade espelhada no nascimento, que não poderia ser alterada artificialmente. A defesa do transexual, por sua vez, alegava que a aparência de mulher, por contrastar com o nome e o registro de homem, causava-lhe diversos constrangimentos sociais, além de abalos emocionais e existenciais.
No julgamento, prevaleceu o voto da relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, para quem não faz sentido o Brasil permitir cirurgia no Sistema Único de Saúde (SUS) e não liberar a modificação no registro civil. Para a ministra, “há um conjunto de fatores sociais e psicológicos que devem ser considerados” para que o indivíduo que passou pela cirurgia tenha uma vida digna. A ministra lembrou ainda que a troca do registro já é prática permitida em diversos países (Agência Brasil).

Onde ver – Para saber como assistir a NBR na sua cidade ou obter mais informações sobre a NBR, acesse http://www.ebcservicos.ebc.com.br/veiculos/nbr Para assistir no site do Canal Saúde, acesse, clique na TV com a inscrição “ao vivo” e participe a partir do chat associado à transmissão. Se preferir, antecipe suas perguntas: canal@fiocruz.br. A Sala de Convidados é apresentado por Renato Farias."


Publicado em: 21 outubro, 2009 por Reportagem


fonte: http://www.redenoticia.com.br/noticia/?p=14747

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

"Cadê nosso Stonewall?" por João Silvério Trevisan

"Em 1973, deixei o Brasil e fui morar nos Estados Unidos, mais precisamente em Berkeley, cidade ao lado de San Francisco, na California. Aí vivi metade dos 3 anos que passei em exílio provocado pela ditadura militar. Berkeley era então um verdadeiro caldeirão de experiências da contra-cultura, com um intenso debate político sobre direitos civis, inclusive femininos e homossexuais. Eu, ex-seminarista com veleidades anarquistas, curtidor de rock´n roll e homossexual recém-saído do armário, viajei para lá desejoso de viver o meu tempo e conhecer novas alternativas. Enquanto trabalhava em restaurante para sobreviver, eu me descobri fazendo parte de uma luta e de uma comunidade. Enturmei-me com jovens homossexuais, integrei-me em grupos gueis de conscientização (alguns reunidos em salões de igreja), trabalhei em programas de rádio para a comunidade guei, freqüentei grupos de anti-psiquiatria, fiz pique-nique no dia do Orgulho Gay, participei da Gay Parade de San Francisco e mergulhei na intensa vida sexual que se descortinava por toda parte. O mais engraçado era que ninguém se preocupava em integrar-se necessariamente a nenhum grupo ativista. A comunidade discutia política homossexual como se a respirasse no ar. E todos participávamos da luta liberacionista pelo simples fato de sermos homossexuais.

Nada disso caiu do céu. Em 1969, um episódio violento deflagrou o moderno movimento homossexual. Ocorreu nas ruas, protagonizado por homossexuais anônimos, legítimos representantes da comunidade guei. Em Nova York, na madrugada de 28 de junho desse ano, uma sexta feira, ocorria uma batida policial rotineira num bar dançante, o Stonewall Inn, em Grenwich Village. O local, freqüentado sobretudo por homossexuais jovens, não brancos e travestis, tinha fama de ligação com a máfia, funcionava sem alvará para bebidas alcoólicas e apresentava shows de go-go boys semi nus. Era, portanto, um prato cheio para o novo delegado que acabara de tomar posse no Distrito Policial do bairro e precisava mostrar serviço. Conforme relato do jornal Village Voice de 3 de julho de 1969, a pequena multidão de clientes retirados à força do bar começou a gritar e vaiar, diante da prisão de algumas pessoas. A chispa incendiária ocorreu quando, ao ser levada por um policial, uma lésbica reagiu e começou a incitar à briga. A resposta foi imediata. Da multidão, mas também das janelas vizinhas, começaram a chover moedas, latas de cerveja e garrafas sobre os policiais. Mais homossexuais foram aparecendo e passaram a atirar-lhes pedras do calçamento. Um grupo trouxe um parquímetro retirado da calçada, com o qual golpeou as portas trancadas do bar, como um ariete. Alguém gritou pedindo gasolina e, de repente, o bar estava em chamas. Mais policiais chegaram, para resgatar seus colegas acuados pela multidão. À frente do ataque aos policiais, não estavam representantes da classe média local, mas travestis porto-riquenhos e jovens bichas desmunhecadas - gente que não tinha nada a perder. A revolta se espalhou pela vizinhança, por toda a madrugada e a noite seguinte, com homossexuais enfurecidos jogando latas de lixo contra carros da polícia e enfrentando um esquadrão da polícia anti-motim, aos gritos de "Gay Power". No sábado, os muros da região estavam cheios de pichações conclamando ao gay power. No domingo, o poeta Allen Ginsberg apareceu no local para dar seu apoio e comentou com a reportagem: "Os gueis perderam aquele olhar ferido que tinham dez anos atrás." Logo depois, nascia em Nova York o Gay Liberation Front, um grupo de homossexuais militantes que pregava a revolução guei. Ramificações dessa organização espalharam por todo o país a luta pelos direitos homossexuais, inclusive em estados mais conservadores e cidades menores. Saídas do meio da comunidade e não de partidos políticos, as novas lideranças homossexuais foram elaborando um programa político novo e passaram a usar um discurso próprio, a partir dos direitos homossexuais. Inaugurava-se aquilo que passou a se chamar gay mouvement.

Bem diverso foi o processo no Brasil. Aqui, o movimento homossexual nasceu e continuou sendo, com raras exceções, uma atividade de classe média. Além de não termos leis expressamente contrárias à prática homossexual, o ativismo guei sofreu grande atraso por causa do "jeitinho" brasileiro: ao invés de enfrentar a situação, aqui é mais fácil manter uma vida homossexual disfarçada detrás de um casamento hétero. Nos Estados Unidos, a barra sempre foi muito mais pesada para homossexuais: ainda existem vários estados onde a sodomia é ilegal, mesmo que praticada em privado. Portanto, lá a luta contra a discriminação tornou-se muito mais radical e mobilizadora, independentemente das classes. Outro fator é o diferente tipo de esquerda que havia no Brasil e nos Estados Unidos, no seio das quais nasceu o movimento guei. Na época da batalha de Stonewall, boa parte das nascentes lideranças homossexuais americanas compartilhava da contra-cultura, com vivência nas lutas pelos direitos civis, que não se restringia às classes médias. Considere-se também que, no caso americano, não se tratava de uma esquerda hegemônica, organizada em torno de um projeto partidário centralizador. Os partidos socialistas americanos nunca foram tão fortes quanto na América Latina. Lá o espectro ideológico da nova esquerda (new left) integrava-se ao espírito da chamada contra-cultura, na qual vicejavam diferentes tipos de socialistas e marxistas, hippies, anarquistas, pacifistas, ativistas negros, militantes feministas e ambientalistas. Estruturada em torno dos direitos civis e da luta contra a guerra no Vietnã, a nova esquerda americana deixou que as lideranças homossexuais bebessem em sua fonte, mas também teve flexibilidade para lhes permitir uma identidade própria. Assim, quando o moderno movimento homossexual começou nos Estados Unidos, já estava em curso uma severa crítica das feministas à esquerda machista. Foi delas que o ativismo homossexual americano emprestou vários conceitos ligados a questões de gênero e não apenas de classes. Portanto, pode-se dizer que o movimento de liberação homossexual americano é filho da contra-cultura e logo passou a dialogar com ela. No Brasil, ao contrário, era mais difícil o convívio com as divergências, nas alas progressistas. Ainda que contrárias ideologicamente aos partidos da elite burguesa, nossa esquerda manteve sempre a mesma postura autoritária da política tradicional do país. Organizou-se em partidos centralizadores e teve dificuldade para se antenar com temas mais modernos. Como sempre visou posições hegemônicas, opôs-se ferrenhamente à autonomia do movimento negro, de mulheres e de homossexuais. Lembro do meu assombro no II Congresso da Mulher Paulista, em 1980, quando militantes do MR-8, grupo dissidente do partido comunista, invadiram o TUCA-SP, onde se realizava o encontro, e deram porradas nas feministas, sob pretexto de que elas estavam provocando a fragmentação da luta proletária. No mais das vezes, tratava-se de partidos homofóbicos. Quando nós do grupo SOMOS-SP nos organizamos como primeiro grupo de liberação homossexual do Brasil, em 1978, ficamos diante de um paradoxo: aprender quase tudo com as esquerdas que nos rechaçavam e buscar um discurso próprio, que propiciasse inclusive críticas ao machismo esquerdista.

A organização centralizadora da esquerda passou para os grupos de liberação homossexual, que sempre se engalfinharam em disputas pelo poder. Assim ocorreu com o grupo SOMOS-SP, tomado pela Convergência Socialista, através de um golpe em 1981. Isso jogou no lixo o esforço pela autonomia, pois boa parte das lideranças homossexuais passaram a se curvar às prioridades do recém-nascido PT, o único partido que apoiava a luta pelos direitos homossexuais. O movimento guei de São Paulo, então o mais estruturado do país, debilitou-se até quase desaparecer, na década de 1980. Quando a epidemia da Aids irrompeu, por volta de 1983, tentei organizar uma frente contra a doença, e fui procurar os remanescentes do SOMOS, emblematicamente instalado nas dependências do diretório do PT, no Bixiga. A resposta que ouvi do seu líder me deixou assustado pelo sectarismo infantil: o grupo não ia gastar energia com "doença de bicha burguesa que tinha dinheiro para viajar a Nova York". Anos depois, infelizmente ele morreu dessa mesma "doença burguesa". Quanto ao SOMOS, transformado em apêndice da esquerda partidária, descaracterizou-se e sumiu do mapa. Daí por diante, a militância guei tornou-se refém das prioridades do PT.

O resultado é que até hoje o ativismo homossexual no Brasil tateia em busca de um discurso político próprio. Ao contrário, os projetos e as abordagens do movimento homossexual brasileiro continuam, no geral, tributários da esquerda heterossexual. Graças a essa cooptação, boa parte das lideranças gueis fala um jargão restrito à classe média politizada, o que dificulta sua interação com a comunidade homossexual e se traduz em reduzidíssima capacidade de mobilização. As exceções são as Paradas do Orgulho Gay, que infelizmente se reduzem a um dia por ano. Mas, enquanto nos Estados Unidos há inúmeros políticos abertamente homossexuais eleitos em todo o país, o Brasil não consegue emplacar representantes gueis nem para o legislativo. Abandonada a si mesma, a comunidade homossexual brasileira perpetua uma grave inconsciência política, e não consegue se juntar para lutar por seus direitos. Cria-se um círculo vicioso, no qual as lideranças não se comunicam com a coletividade que, por sua vez, não participa do processo, gerando lideranças fragilizadas por excesso de trabalho, vaidade e disputa de poder. Como conseqüência, a comunidade homossexual brasileira continua sujeita a líderes oportunistas, que se apropriam da voz da coletividade, para manipular e se auto-promover. Enquanto isso, a liberação guei parece ter conseguido apenas o direito de consumir - sexo, drogas e roupas da moda. Triste fim para algo que um dia pretendeu transformar a sociedade."

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Stop Patologização Trans 2012


Lisboa: 17 de Outubro, 15H, Largo de Camões - Lançamento público.

Luta pelos direitos de transexuais, transgéneros e intersexuais:

- Exigimos a retirada da transexualidade dos manuais de doenças mentais (DSM-TR-IV e CID-10) .

- Fim da transfóbica classificação da transexualidade como doença mental pelos sistemas de saúde.

- Repensar urgente do programa de “tratamento da transexualidade”: fim da OBRIGATORIEDADE de acompanhamento psicoterapêutico e avaliação psiquiátrica.

- Acesso à assistência médica e tratamento hormonal e cirúrgico pelos serviços públicos de saúde às pessoas trans que o procurem.

- Inclusão da “identidade de género” no artigo 13º da Constituição da República.

- Lei da Identidade de Género.

- Direito a alterar o nosso nome e sexo em todos os documentos oficiais sem ter que passar por nenhuma avaliação médica, nem psicológica, ou por tratamento obrigatório ou diagnóstico.

- Concessão imediata de asilo político às pessoas trans imigradas que chegam ao nosso país fugindo de situações de violência extrema.

- Direito à mudança de nome e sexo nos documentos de identificação sem tratamento obrigatório ou diagnóstico, ou qualquer avaliação médica ou judicial.

- Fim do parecer obrigatório da Ordem dos Médicos sobre os processos de transexuais.

- Fim das operações a recém-nascidxs intersexo.

- Fim da esterilização obrigatória de transexuais masculinos.

- Combate às dificuldades e discriminação no acesso ao mercado laboral pelas pessoas transexuais e transgéneros.

- Condições dignas de saúde e segurança para trabalhadorxs sexuais e o fim do assédio policial a que estão sujeitxs, bem como do tráfico sexual.

- Educação e protecção contra a Transfobia.

MOBILIZAÇÃO SIMULTÂNEA EM 30 CIDADES: Ankara (Turquia), Barcelona (Estado Espanhol), Berlim (Alemanha), Bilbao (Estado Espanhol), Bogotá (Colómbia), Bruxelas (Bélgica), Buenos Aires (Argentina), Campinas (Brasil), Caracas (Venezuela), Ciudad de Mexico (México), Corunha (Estado Espanhol), Donosti (Estado Espanhol), Gasteiz (País Basco), Granada (Estado Espanhol), Las Palmas (Estado Espanhol), Lille (França), Lisboa (Portugal), Londres (Reino Unido), Madrid (Estado Espanhol), Montreal (Canadá), Paris (França), Quito (Equador), São Francisco (EUA), Santiago de Cali (Colômbia), Santiago do Chile (Chile), Santiago de Compostela (Estado Espanhol), Valência (Estado Espanhol), Zaragoza (Estado Espanhol).

fonte: http://port.pravda.ru/news/mundo/13-10-2009/28140-stoppattrans-0

sábado, 10 de outubro de 2009

Judith Butler e os "problemas de gênero"
















Intersexos: Estar à margem do binarismo sexual é "habitar a terra de ninguém"

Nenhum ser humano é exclusivamente feminino ou masculino mas, socialmente, estar à margem do binarismo sexual homem-mulher é como "habitar a terra de ninguém", afirma Ana Sofia Neves, investigadora no Instituto Superior da Maia.

Em declarações à agência Lusa sobre a condição da atleta sul-africana Caster Semenya, que será pseudo-hermafrodita, Sofia Neves, doutorada em Psicologia Social, sublinhou que ninguém "é estritamente homem ou estritamente mulher, mesmo que as nossas características bio-genéticas pareçam querer atestar essa ideia do sexo puro".

Numa linha de pensamento existencialista, o conceito de "sexo" refere-se a "um conjunto de atributos bio-genéticos que diferencia os machos das fêmeas" mas existe outra noção importante neste quadro, a de "género", que diz respeito a "um leque alargado de representações, expectativas e papéis sociais associado a cada um dos sexos biológicos", explicou.

Para a especialista, o sexo é, nesta óptica, "o produto da natureza" e o género "o produto da cultura" - dois aspectos que podem também ser vistos como "categorias sociais e discursivas" constitutivas do corpo e da identidade.

Nesse caso, "a ideia de sexo natural passa a ser, em si mesma, uma ideia contestada, já que a instauração da diferença sexual binária [homem/mulher] é apenas uma forma de categorização social, de entre outras possíveis", salientou à Lusa, acrescentando que a categorização poderia ser feita com base noutros referenciais que não os órgãos sexuais.

Na sequência destas noções, a docente e investigadora na área das questões de género considera que a referência a "dois ou quatro, ou sete, ou onze sexos é redutora" pois "a tipologia das categorias sexuais é ilimitada".

Focando-se no caso concreto de Caster Semenya, cuja condição sexual começou ser investigada na sequência dos resultados obtidos nos mundiais de atletismo de Berlim, Sofia Neves lamentou a forma como o assunto tem sido abordado.

"O que começou por estar em evidência foi o facto de uma jovem atleta, alegadamente atípica na aparência e nos comportamentos (não feminina portanto), obter, nas provas em que participa, resultados igualmente atípicos para uma 'simples' mulher", assinalou.

E a primeira questão foi tentar perceber "se se tratava de um homem a fazer-se passar por uma mulher (já que dificilmente uma mulher 'comum' seria capaz de tais feitos desportivos) ou se, por outro lado, se tratava de uma 'super-mulher' (uma mulher de excepção que, por razões desconhecidas mas provavelmente estranhas, se evidencia das outras mulheres)", reforçou.

Para Sofia Neves, que está a organizar um seminário sobre Género e Ciências Sociais, previsto para 4 e 5 de Dezembro, até agora os testes efectuados a Caster Semenya vão apenas no sentido de "apurar a 'verdadeira condição sexual' da jovem a partir de meros indicadores bio-genéticos".
"Não me parece que, em algum momento, o assunto tivesse sido tratado à luz das questões da identidade desta jovem, tal qual ela a percepciona", lamenta.

Assim, "ter uma dupla condição sexual ou ter uma 'anomalia sexual' (como habitualmente o hermafroditismo é designado) serve como um atestado de despersonalização, já que a identidade passa - para quem a avalia de fora - a ser um conceito aparentemente difuso ou improvável", acrescenta.

Ora, "não se sendo unicamente homem e não se sendo unicamente mulher, então questiona-se o lugar de pertença das pessoas", acabando o crivo social por "mostrar a estas pessoas que elas pertencem a um não-lugar, como se estar à margem do binarismo sexual (homem-mulher) significasse habitar a terra de ninguém", conclui.

O sexólogo Francisco Allen Gomes complementa que é necessário tacto na forma como se designam as pessoas num estado de intersexualidade, pois "com muita facilidade se estigmatiza" e "as palavras ferem".

Ex-chefe de serviço de Psiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde foi responsável pela consulta de Sexologia até à sua aposentação, em 2001, Allen Gomes questiona a forma como a condição de Caster Semenya está a ser avaliada e considera excessiva a exposição pública da jovem.

"Vão analisar a atleta para saber se é um homem ou uma mulher? Ela pode ser um XY e ter uma identidade feminina, como pode ser um XX, ter havido uma masculinização por qualquer motivo, e ter uma identidade feminina", declarou.

"Imaginemos que essa rapariga - porque é uma rapariga - nunca soube da sua situação… Ver, de repente, a sua identidade posta em causa é uma coisa brutalmente traumática, violentíssima", sublinhou.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

11 de outubro - Dia de "sair do armário"




Ganhamos uma versão brasileira do "National Coming Out Day", o "Dia de sair do armário", campanha promovida pelo "Estruturação", um grupo LGBT de Brasília. Com direito à concurso de fotografias, pretende-se uma oportunidade para refletirmos sobre a importância ético-política de assumir a própria sexualidade. E que se destaque esta palavra: sexualidade.




Diferente do que venho lendo em alguns sites, entendo que o evento deva ser mais do que uma celebração da homossexualidade, mas sim a possibilidade de reflexão sobre a multiplicidade das práticas sexuais que acabam sendo excluídas e inferiorizadas por moralismos, inclusive, dos próprios grupos LGBT, insistentes na moderna referência identitária.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

"Ódio enrustido"


Sem argumentos para contestar Minc, a saída do governador Puccinelli foi humilhá-lo com ira homofóbica.



Há quem pergunte se Carlos Minc foi ou não vítima de homofobia. Sem eufemismos, o governador do Mato Grosso do Sul o ameaçou de estupro em praça pública e o descreveu como "veado". O tema da conversa era o plantio de cana-de-açúcar em uma bacia hidrográfica da região. Mas, na ausência de argumentos técnicos para criticar as decisões do ministro, a saída foi humilhá-lo pela ira homofóbica. André Puccinelli se desculpou pelo tom de ofensa que suas palavras assumiram na imprensa. Segundo ele, "o ambiente era diverso" por ocasião das declarações.

Saí à procura de ambientes onde a ira homofóbica poderia ser tolerada em nosso ordenamento democrático. Homofobia é uma ideologia que oprime expressões da sexualidade diversas da heterossexualidade. A discriminação pode se dar por injúrias, ameaças ou atos violentos. A homofobia humilha, mas também mata. O estupro é um dos dispositivos mais perversos de controle do corpo homossexual pela ira homofóbica. O mesmo sexo que ofende a moral é o sexo a ser castigado pela norma heterossexual. Não foi por acaso que Puccinelli ameaçou o ministro de estupro em praça pública. Como no período medieval, a humilhação à luz do dia garantiria o controle do corpo desviante.

Há países em que o homossexualismo é crime. Em uns poucos, punem-se as práticas gays com pena de morte. Entre nós, até pouco tempo desejar um corpo igual era receber uma classificação psiquiátrica de perturbação mental. Ser gay era ser doente mental. Ainda hoje há quem sustente a possibilidade de cura para o desejo homossexual, uma prática cuja seriedade é cada vez mais contestada nos meios acadêmicos. Mas é na ordem moral que o principal desafio da igualdade sexual se localiza. Para Puccinelli, a acusação de homossexualidade ofenderia a honra do ministro. Além de ameaçá-lo em sua virilidade, a punição pública seria o estupro - a demonstração máxima do poder masculino sobre os corpos femininos.

É vulgar desbravar a intimidade do ministro para inquiri-lo sobre suas práticas sexuais privadas. Mas é também covarde não descrever a ameaça de estupro do governador como violência. Para analisar esse incidente, basta avaliar a intencionalidade da ofensa homofóbica de Puccinelli. A sexualidade, assim como outras escolhas sobre como se quer viver a vida, é matéria de ética privada. Nesse incidente, o deslocamento do público para o privado tinha um único objetivo - silenciar o ministro por meio da humilhação homofóbica. Essa é uma das estratégias mais comuns da homofobia: ao invadir a intimidade, silencia-se o indivíduo pela vergonha e pela ameaça da violência física ou moral. Se homofobia humilha e mata, seria razoável não haver ambientes homofóbicos tolerados por um Estado democrático. Não sei qual foi o "ambiente diverso" que justificou as palavras de Puccinelli, mas há dezenas de grupos religiosos homofóbicos no Brasil que defendem a homofobia como uma forma da liberdade de expressão. Alguns desses grupos, além de descreverem o homossexualismo como perversão moral, promovem rituais de conversão à heterossexualidade em cultos públicos. Assim como parece ter sido o caso do governador do Mato Grosso do Sul, não se reconhece dignidade fora da norma heterossexual. O resultado é que a homofobia seria um direito, falsamente assentado na liberdade religiosa. A lógica dessa moral homofóbica é simples. A heterossexualidade seria a norma da natureza. Na natureza, só haveria machos e fêmeas, homens e mulheres. O restante seriam patologias da modernidade. O binarismo de gênero fundamentaria a moral sexual em que a reprodução biológica se sobrepõe à reprodução social. Só as uniões heterossexuais garantiriam a reprodução da espécie. Só os casais heterossexuais seriam uniões aceitáveis para a constituição de famílias. Em nome de uma falsa naturalização da moral heterossexual, a ideologia homofóbica se vê fortalecida e protegida pelo manto da liberdade de crença e expressão. Por isso, o direito à expressão homofóbica não causa o espanto que deveria entre nós. Essa é a força da ira homofóbica. Ela não se descreve como violenta, mas simplesmente como uma expressão legítima das crenças individuais de uma cultura patriarcal, que sustenta a supremacia heterossexual e masculina. Mas não há direito à homofobia. A homofobia é uma ofensa à dignidade humana e um crime contra a integridade individual. A intimidade deve ser uma esfera da existência inviolável para o confronto público de ideias. Não há "ambiente diverso" onde a homofobia possa se expressar isenta da censura democrática que reconhece o direito à sexualidade como uma expressão da liberdade.


Debora Diniz - O Estado de S.Paulo - Antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Teoria Queer por Paulo Mantello

"Você já ouviu falar em Teoria Queer? A denominação surgiu quando a feminista Teresa de Laurentis participou de uma conferência em 1990 na Universidade da Califórnia teorizando sobre as sexualidades gays e lésbicas.Fortemente influenciada pela obra de Michel Foucault, problematiza a noção de gênero e nem sempre tem sido bem aceita dentro e fora da comunidade gay, pois coloca em xeque conceitos como os de "identidade" e "sexo". Incomoda por desconstruir qualquer definição – de homem, de mulher, de hétero, de gay, de bissexual, de trans...Por que "queer"? Esta palavra, de origem inglesa, significa, literalmente, "estranho" ou "incomum". Foi usada como gíria em meados do século XX para referir-se aos homossexuais, sobretudo os masculinos. Há quem defenda que houve uma sobreposição das palavras "queer" com "queen" (rainha), o que designaria um homossexual afeminado que seria, simultaneamente, rainha e estranho.É assumida por uma vertente dos movimentos homossexuais para caracterizar oposição e contestação. Para estes, significa colocar-se contra a normalização. Seu alvo mais imediato é a heteronormatividade, no entanto, também não escapa a estabilidade proposta pela política de identidade do movimento homossexual dominante. Refere-se à diferença que não quer ser assimilada ou tolerada.A Teoria Queer pensa a sexualidade como uma construção histórica. A orientação sexual e a identidade de gênero não estão previstas na genética e nem podem ser consideradas como condição compartilhada por todos. Existe uma sexualidade para cada sujeito, ainda que seja possível encontrar pessoas com gostos e inclinações semelhantes. É essa semelhança que permite, por exemplo, agrupar os gays em "afeminados", "barbies", "ursos", "versáteis" etc. Porém, não se pode confundir a semelhança com a essência. São convenções sociais compartilhadas por determinados grupos, passíveis, portanto, de mudanças.A proposta é abolir as dualidades do tipo macho/fêmea e masculino/feminino. Seu caráter transgressor afirma um novo tempo, no qual é preciso pensar outras formas de nomear sem classificar. Não é apenas assumir que as posições de gênero e sexuais se multiplicaram, mas admitir que as fronteiras vêm sendo constantemente atravessadas, quando não é exatamente na fronteira que alguns sujeitos vivem – e sem que haja uma patologia."


Paulo Mantello
Jornalista, redator publicitário e psicólogo. Escreve a coluna de mesmo nome no jornal diário Folha da Região, de Araçatuba-SP, aos domingos, no caderno Vida (www.folhadaregiao.com.br).

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Amor entre irmãos

Doc "Questão de Gênero"


"Questão de Gênero acompanha, durante um ano, a vida de sete pessoas que, em comum, têm o sentimento de que nasceram em um corpo que não era seu. Homens que nasceram mulheres, mulheres que nasceram homens contam como se descobriram transexuais e como buscam viver em sua verdadeira identidade de gênero. O documentário mostra os sonhos, alegrias, dramas e transformações vividos por essas sete pessoas que lutam para superar preconceitos, conflitos e barreiras em busca de uma vida mais feliz."

Documentário - 90 minutos

Direção, roteiro e produção: Rodrigo Najar

Direção de Fotografia: Elton Luz

Ass. de direção e edição: Têmis Nicolaidis

Entre o rosa e o azul, mil e uma cores


O grupo de dança contemporânea Dança Pequena estreia no próximo dia 18/09, no Teatro Sesc Garagem, em Brasília, o espetáculo "O Espaço entre Rosa e Azul", que tem a proposta de discutir a dualidade dos gêneros e o peso dos rótulos na formação das identidades sexuais.

No solo, dirigido pelo coreógrafo e bailarino Édi Oliveira e interpretado pela bailarina Danielle Renée, uma personagem lésbica questiona o conflito entre a identidade que se possui e o corpo que se tem. A performance brinca com os signos e fetiches que ilustram os papéis de gênero e trata a sexualidade de forma ampla, com todos os seus contrastes e complexidades.

Para falar sobre o espetáculo, o site A Capa conversou com Danielle Renée, bailarina de formação clássica que integra a companhia desde 2005. Nesta entrevista, que você confere a seguir, Renée fala sobre o processo de criação do solo, discute seus reais objetivos e afirma que, entre o rosa e o azul, existem mil e uma cores.

Por que discutir a identidade de gênero?
O entendimento sobre a sexualidade humana ainda permanece uma fonte de incompreensões e mal entendidos, mesmo que ela seja foco de sérias pesquisas científicas e abordada por importantes e fundamentadas teorias psicológicas. Nos parece absurdo que ainda nos dias de hoje existam posturas fechadas e arredias à ideia de que a sexualidade humana não possui uma única forma de se manifestar, de que as variantes possíveis são múltiplas, e até mesmo intercambiáveis entre si. O espetáculo surge na tentativa de ilustrar e exprimir, através de uma abordagem artística, percepções e leituras referentes à questão da identidade de gênero e aspectos que a envolvem.

De onde veio a ideia do espetáculo?
A idéia do espetáculo surgiu a partir do meu desejo e necessidade, de abordar a temática da sexualidade. Inicialmente, o foco temático do espetáculo seria a homossexualidade feminina, mas durante o processo criativo a questão da identidade de gênero se fez mais presente e motivou mais fortemente a construção das cenas e de toda a estrutura do solo, permanecendo então como assunto foco do espetáculo.

Há quanto tempo você vem se preparando para este solo? Como foi essa preparação?
A preparação durou 6 meses, somando o período de discussões prévias sobre a temática, laboratórios coreográficos, preparação física, fase de construção das cenas, seleção de trilha musical, confecção de cenários e figurinos e estrutura dramática do solo. A preparação se focou mais no potencial de interpretação e sensibilização da intérprete sobre o tema do que na construção das coreografias em si, resultando em um espetáculo com forte teor performático e teatral. Ocorreram laboratórios de sensibilização, de construção textual, de composição coreográfica, discussões contínuas sobre a temática, tudo no intuito de fortalecer e esclarecer os aspectos componentes da personagem e das cenas.

De que forma a dualidade macho-fêmea é traduzida no espetáculo?
A dualidade macho/fêmea aparece no espetáculo através de signos e até mesmo clichês que até hoje são usados para ilustrar e determinar padrões comportamentais do homem e da mulher, da infância à idade adulta. No espetáculo, estes signos são deslocados e ganham novos significados de maneira sutilmente irônica e poética.

Que referências externas sobre gênero e sexualidade você utilizou para construir sua personagem?
Além de nossas próprias experiências e referências de crescimento e amadurecimento como mulher e homem gay (intérprete e diretor), buscou-se referências em histórias e experiências de pessoas conhecidas e também em textos acadêmicos e literatura sobre o tema.

Você acredita que é possível pensar em múltiplas identidades sexuais? Como essa questão é tratada no espetáculo?
Sim. A ciência e a psicologia já catalogaram mais que apenas duas identidades de gênero possíveis, indo muito além da ditadura determinada pelo binômio macho/fêmea. Heterossexuais, gays, lésbicas, transexuais, bissexuais etc, compõem sexualidades não engessadas em si mesmas, mas com variantes comportamentais, psicológicas, afetivas, que podem até mesmo se mesclar e emprestar características umas às outras. O espetáculo ilustra essas mesclas possíveis no corpo, história e atitudes da personagem lésbica que questiona e responde ironicamente as taxações e ofensas que recebe, que expõe agressivamente o que tem a dizer, que exprime força e fragilidade, doçura e agressividade ou executa atitudes ditas "masculinas e femininas" em um mesmo corpo e contexto.

A trilha sonora tem papel determinante na forma como vocês discutem a questão da identidade de gênero?
A trilha sonora opta pela sonoridade do rock. Músicas que exprimem agressividade, força e rebeldia, cantadas apenas por mulheres, ajudam a construir um clima de questionamento, de posicionamento firme e ironia, reforçando o discurso da personagem.

Como o corpo e a palavra dialogam para contar a trajetória da protagonista?
Apesar de se tratar de um espetáculo de dança, a presença da palavra em forma de textos vem auxiliar na compreensão da abordagem temática e na apresentação do universo da personagem, expondo suas opiniões, memórias, questionamentos. O texto entra na mesma sintonia das coreografias, mesclando momentos de doçura, agressividade e até mesmo revolta.

Vocês pretendem viajar com o espetáculo para outras cidades do país?
Viajar com um espetáculo é sempre uma expectativa do artista. No entanto, essa expectativa está subordinada a diversos fatores: agenda, patrocínio, convites, produção etc. Por isso, preferimos primeiro dar vida ao espetáculo, entender como será a receptividade do público, como ele funciona, como ele se comunica com o imaginário da plateia, para então podermos conhecer o real produto que temos nas mãos e pensar na necessidade ou não de modificações. Só a partir daí pensamos mais concretamente em apresentar o espetáculo a festivais ou responder a convites, além é claro da expectativa de contar com apoio ou patrocínio que viabilize a circulação do espetáculo. Mas não há como negar que um dos objetivos da montagem de um espetáculo é sempre dar vida longa a ele, podendo apresentá-lo a públicos diversos.

Serviço:
O Espaço entre Rosa e Azul
Data: 18, 19 e 20 de setembro
Horário: 21h (sexta e sábado) e 20h (domingo)
Local: Teatro Sesc Garagem - 913 sul - Brasília (DF)
Ingresso: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)


Márcia Aran em Niterói

Aconteceu dia 16/09 em Niterói a conferência com a psicanalista e professora do IMS- UERJ Márcia Aran sobre "Sexualidades contemporâneas e as novas formas de pensar a diferença na psicanálise" promovido pelo Espaço Brasileiro de estudos psicanalíticos, EBEP. Reproduzo abaixo o texto de divulgação:

"Diante da nova cartografia das relações entre gêneros e sexualidades na cultura contemporânea pretende-se discutir em que medida algumas teorias baseadas na psicanálise e em outras vertentes das ciências humanas e sociais procuram reinstaurar o modelo binário e hierárquico da diferença sexual através de um discurso sobre o "perigo do apagamento da diferença" e a "crise do simbólico". Além disso, através de um estudo sobre as redescrições da noção de diferença, alteridade e singularidade procura-se analisar em que medida pode-se estabelecer uma relação produtiva com as novas configurações de gênero no contemporâneo, abrindo brechas para a concepção de novas formas de subjetivação. Com este objetivo, analisa-se o debate atual sobre (1) os deslocamentos do feminino e a positivação da feminilidade, (2) o casamento homossexual e a homoparentalidade e (3) as modificações corporais realizadas por transgêneros, travestis e transexuais."

II Simpósio Internacional sobre Gênero, Arte e Memória

O II Simpósio Internacional sobre Gênero, Arte e Memória: todos os dons de Pandora objetiva propiciar a discussão sobre a produção artístico-cultural vinculada às questões de gênero. Com enfoque inter e transdisciplinar, o encontro volta-se a pesquisadores, estudantes e profissionais das áreas de Arte, Música, História, Filosofia, Educação, Comunicação, Literatura, bem como demais campos que abordem as reflexões sobre Gênero, Arte e Memória, nas suas diversas relações que tratem de representações e categorias emergentes na contemporaneidade. Acontece do dia 02 a 04 de dezembro, na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul.

Mais informações em:

http://www.ufpel.edu.br/iad/sigam/

domingo, 6 de setembro de 2009

Medo de rejeição torna gays escravos de si?

O título da reportagem é uma afirmação, mas aqui no blog resolvi transformá-lo em questionamento. "Medo de rejeição" não seria um sentimento por todos compartilhados, uns mais outros menos? Conheço "heteros" excessivamente atenciosos. Será que as qualidades citadas, "simpáticos, divertidos, carinhosos, amigos, educados, inteligentes", seriam apenas uma forma de defesa? E de gays em particular?! E quanto "a nossa felicidade"? Apenas uma "proteção", uma "compensação dos momentos de solidão"? A "dificuldade da conquista de nossos direitos" tendo como causa o fato de os gays serem vistos como "pessoas felizes" e que, portanto, não teriam do que reclamar, não é um tanto reducionista? Os atravessamentos são os mais diversos. O que você acha? Leia abaixo a reportagem:



"Medo de rejeição torna gays escravos de si.

Gays tentam, desde cedo, provar que são melhores do que os héteros, o que causa uma grande crise existencial. Quantas vezes já ouvimos falar que os gays são mais simpáticos, divertidos, carinhosos, amigos, educados, inteligentes, entre outras coisas boas? Por trás desta aparente “supremacia” está um fato merecedor de atenção: com medo de rejeição, muitos gays fazem de tudo para agradar, passando por cima de seu orgulho, a fim de compensar algo que não precisa ser compensado. É o preconceito internalizado, o medo da rejeição.

Sabe aquele amigo gay que sempre traz o cafezinho? Ou aquele que te liga sempre, pede desculpas mesmo quando está certo e que, quando você pede, um favor nunca te nega? Pois é, dele que estamos falando. Provavelmente, na infância, ele era um dos mais estudiosos da turma, talvez o melhor aluno da classe. Ele também se destacava em várias coisas, em artes, cultura, esportes, ele sempre se esforçava para ser o melhor em alguma coisa, em ser discreto. De algum modo, ele tentava compensar o que no seu preconceito interno o tornava inferior, o fato de ser diferente. Mas um dia, ele quer viver a liberdade de falar o que acha, de fazer o que quer e dar um chega nessa subserviência na qual ele mesmo se colocou, daí, muitas vezes, temos o famoso “chilique”.

Os gays não precisam fugir da pesada cruz que carregam mas não podem achar que se humilhando ao invés de lutar pelos seus direitos estarão colaborando para algo. Quando fala-se em promiscuidade, traição, falam que os homossexuais são os campeões, discordo plenamente. Talvez no mundo G , a convivência nos guetos, as coisas sejam mais transparentes, pelo universo reduzido. Um bom exemplo da miopia dos héteros sobre o mundo gay está na descrição dos gays como “pessoas felizes”. Muita calma. Além do medo de rejeição, passamos 24h com medo de agressões, não podermos beijar o namorado em público, assassinatos, ridicularizações, piadinhas, medo da reação de nossos pais, do patrão, do amigo que não sabe, de cair no estereótipo, de fazer alguma besteira que somada a nossa orientação sexual (pois desejo não se escolhe, e seria muito estúpido escolher viver todos esses medos) vai agravar o que pensam de nós...

Ainda assim, as pessoas nos vêem como pessoas felizes. A nossa felicidade é um modo de nos proteger dos dedos que nos apontam, é uma forma de compensar os momentos de solidão. Talvez isso explique a dificuldade da conquista de nossos direitos, a final, se fossemos felizes, por que estaríamos reclamando?

Fonte: Revista Lado A"

agradecimento: Rodrigo Cotrim.

domingo, 30 de agosto de 2009

Tornar-se "gay"

No livro “Reflexões sobre a Questão Gay”, o autor Didier Eribon cita o esclarecimento de Foucault em 1982 à respeito de sua fala anterior sobre a homossexualidade, onde diz que esta deve ser algo desejável e não uma forma de desejo:

“Eu gostaria de dizer: ‘É preciso ser gay’, colocar-se numa dimensão em que as escolhas sexuais que fazemos estão presentes e têm seus efeitos sobre o conjunto de nossa vida. Eu queria dizer que também essas escolhas devem ser ao mesmo tempo criadoras de modos de vida. Ser gay significa que essas escolhas se difundem pela vida inteira; também é uma certa maneira de recusar os modos de vida propostos, é fazer da escolha sexual o operador de uma mudança de existência. Não ser gay é dizer: ‘como vou poder limitar os efeitos de minha escolha sexual de tal maneira que a minha vida em nada seja mudada’. Eu direi, é preciso usar da sexualidade para descobrir, inventar novas relações. Ser gay é ser em devir, e para responder à sua questão, acrescentarei que não se deve ser homossexual, mas procurar ser gay”.

apud ERIBON, Didier. Reflexões sobre a questão gay. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008, p. 390.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Rainbow Reviews

Um site que se propõe a "honestas e inteligentes" críticas de livros gays, lésbicos, bissexuais e transgêneros. Para além das revisões, um bom arquivo da literatura LGBT internacional com mais de 1.500 livros listados! Temos ainda a opção de sugerir um livro para ser criticado. No link "entrevistas", encontramos uma série de autores entrevistados. Confira!

http://www.rainbow-reviews.com/

Foucault e a Cultura Gay

É o texto de abertura do site da ABEH e achei válido reproduzí-lo aqui:

“A questão da cultura gay ... uma cultura no sentido amplo, uma cultura que inventa modalidades de relações, modos de vida, tipos de valores, formas de troca entre indivíduos que sejam realmente novas, que não sejam homogêneos nem se sobreponham às formas culturais gerais. (...) uma cultura que só tem sentido a partir de uma experiência sexual e de um tipo de relações que lhe seja próprio” (Michel Foucault).

Extraído de "O triunfo do prazer sexual: uma conversação com Michel Foucault. In: MOTTA, Manuel de Barros (org.). Michel Foucault: Ética, sexualidade, política [Ditos & escritos, V]. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 122-3.

Intercâmbio e pesquisas

A Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH) é uma entidade sem fins lucrativos, que tem como principal proposta fomentar e realizar intercâmbios e pesquisas sobre homossexualidade, homoerotismo, estudos gays e lésbicos, bissexuais, transgêneros e teoria queer. Ela congrega professores, alunos de graduação e pós-graduação, profissionais, pesquisadores e demais interessados. A ABEH foi fundada em 13 de junho de 2001, em Niterói (RJ), em Assembléia realizada no Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Objetivos da ABEH

· Promover o desenvolvimento de um pensamento crítico sobre a homocultura, mediante o estímulo à pesquisa e ao debate acadêmico, à troca de experiências entre pesquisadores e demais interessados;

· Criar um fórum permanente de debate para discussão e intercâmbio, nacional e internacional, de experiências sobre visibilidade de diferentes expressões e discursos da homocultura no Brasil e no mundo;

· Estimular pesquisadores universitários, de diferentes áreas e instituições acadêmicas, no intuito de construir saberes interdisciplinares, incorporando várias áreas do conhecimento nas discussões sobre homocultura;

· Congregar e fomentar pesquisadores provenientes de universidades brasileiras que trabalham a temática da homocultura;

· Contribuir para o desenvolvimento e manutenção dos estudos científicos, interessados nas políticas educacionais e sociais, em favor das minorias sexuais no Brasil.


http://www.fafich.ufmg.br/~abeh/index.html

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Heterossexualidade dissidente

Dissidência é discordar do que é instituído e muitas vezes considerado natural. No entanto, a luta do dissidente não ocorre como a luta dos opositores. A oposição é um grupo maior que não se exclui e enfrenta legalmente o poder estabelecido. A dissidência é um grupo menor que discorda do regime, mas exclui-se de enfrentá-lo diretamente.

No post abaixo intitulado "Diversidade Sexual", reproduzo uma nota de rodapé de um artigo cujos autores descrevem os usos da expressão "diversidade sexual". No meio da explicação, utilizam-se de outra expressão: "heterossexualidade dissidente", associando-a a transgêneros que, apesar de questionarem as normas de sexo e gênero, vivem relacionamentos “heterossexuais”.

Na revista "Junior", ano 2, #12 (agosto 2009), a reportagem "Às avessas" traz o exemplo de Karen, uma lésbica, e Rhayana, um travesti, que formam um casal nada convencional, inclusive para o "time"! Karen não se reconhece como transexual: "sou sapatão, lésbica ou qualquer outro adjetivo que simbolize a vontade de estar com uma mulher", e elogia a feminilidade e o corpo da companheira, considerada uma "mulher mais que perfeita". Mas é como homem que a vê Rhayana: "Não sei como seria caso ela deixasse o cabelo crescer e aparentasse uma mulher. Ela é vaidosa, mas sempre pelo lado masculino". Ambas discordam quando o assunto é nomear o tipo de relacionamento que vivenciam. Para Karen, "versátil" é a palavra mais adequada, já Rhayana acredita formarem um "casal biologicamente heterossexual". "Temos sexos biológicos diferentes: um pênis e uma vagina", explica a travesti.

Assim, se pensarmos anatomicamente, Karen é considerada uma mulher e Rhayana um homem. No entanto, Karen é uma mulher que gosta de mulheres e Rhayana um homem que gosta de homens, colocando em cheque a escolha de ambos. Acontece que, performaticamente, Karen aparenta ser homem e Rhayana mulher. Fechou! ...Fechou? E na cama? Uma lésbica que irá encontrar na cama um corpo feminino que inclui um pênis e um travesti que encontrará uma vagina cheia de atitude! Mas isso é ser lésbica? Isso é ser travesti? Ele justamente não se fantasia de mulher para conquistar um homem?

A questão é que estamos muito presos aos conceitos de identidade e representação. Temos uma ideia instituída e construída historicamente do que é ser mulher, homem, masculino, feminino, o que já dificulta conceber a homossexualidade, ainda mais uma lésbica namorar um travesti! Tentar definir e redefinir identidades é estar preso a "a prioris" e as novas formas de se relacionar serão motivo de surpresa e espanto, quando não horror. Assim, a Karen irá sempre ser vista pela "classe" como exceção ou aberração, a não ser que lute e faça incluir no "manual da lésbica" seu comportamento antes estranho. No entanto, outras estranhezas continuarão aparecendo à margem. Não é mais fácil desistir do “manual”?

Karen e Rhayana são designados "heterossexuais dissidentes": "heterossexuais" tomando-se como referência sua anatomia e "dissidentes" por subverterem, mesmo que não de uma forma organizada legalmente, a identidade que entende por heterossexual a relação de um homem masculino com uma mulher feminina. Andam pelas ruas de Curitiba de mãos dadas, sem se preocuparem com os cutucões e apontamentos, promovendo o que Guattari chamou de "micropolítica do desejo".

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Entrevista com Beatriz Preciado

Dá-lhe Cuenca!

Enviado por João Paulo Cuenca - 18.8.2009 15h16m

O árbitro moral é o dono do boteco

Cena recorrente no Balneário é a expulsão de um casal homossexual por trocar beijos ou estar de mãos dadas num bar. Repercute na imprensa bissextamente e quando trata-se de lugar na Zona Sul - há algum tempo, o pré-moderninho Mofo, no Flamengo, na última semana o neo-botequim Chico & Alaíde, no orquidário do Leblon.

Publicada no suplemento Rio Show de sexta passada, a justificativa do gente boa proprietário do bar, Chico Chagas, é um primor de estupidez e ignorância automática que merece ser reproduzida ipsis litteris e comentada em partes:

1- “Eu não tenho nada contra gays, mas este é um bar família, cheio de crianças. Tem que se comportar melhor.”

Antes de tudo, o Chico poderia definir o que exatamente faz de um bar família – para os meus padrões, nunca entrei num desses (e tenho o azar de conhecer todos os bares do Principado do Leblon). Depois, gostaria de entender o que tantas crianças fazem numa casa cujo produto principal são tulipas sobrevalorizadas de chope - os salgadinhos caíram muito de qualidade desde que saíram da cozinha do Bracarense, diga-se. Também seria interessante que o Chico definisse o que é se comportar melhor. Beijar alguém do mesmo sexo na boca é se comportar pior baseado em que tipo de parâmetro? Seja qual for, preconceito contra opção sexual de terceiros, além de falta do que fazer, é tipificado como crime pelas leis brasileiras.

Leis? Mas quem precisa delas numa sociedade em que o árbitro moral é o dono do boteco?

2- Vossa Senhoria continua a deblaterar: “Depois de alguns clientes reclamarem comigo, eu intervi. Falei educadamente com eles que, aliás, não eram nada discretos.”

Os clientes tem todo o direito de reclamar de qualquer coisa, inclusive do preço do chope e da temperatura da empadinha, dados objetivos e facilmente quantificáveis. Já discrição é conceito relativo. Se aquele fosse um casal “normal”, segundo os padrões dos proprietários e da clientela do boteco, imagino que fosse considerado discreto. De qualquer forma, não há educadamente que justifique tamanho absurdo - um bar é um lugar público e um beijo homossexual não é atentado ao pudor.

***

Esse tipo de tribunal urbano é o que dá origens a manifestações que já deveriam ser anacrônicas, como passeatas de orgulho gay que estampam gosto pessoal em bandeiras multicoloridas.
Enquanto seres humanos do mesmo gênero não puderem andar de mãos dadas e beijarem-se sem que isso seja considerado um ato subversivo ou, pior, político, estaremos sujeitos a idéia bizarra de que alguém deva orgulhar-se por ter uma ou outra opção sexual.

***

Nada disso surpreende num país em que o fato novo da campanha eleitoral para a sucessão presidencial de 2010, até então polarizada entre o sujo e o mal lavado, é a aparição de uma pré-candidata que defende o ensino criacionista nas escolas públicas.

Num reino onde confunde-se o público com o privado em todas as esferas, deve ser normal que fiéis a Deus imponham sua crença dentro de salas de aula sustentadas pelo Estado, supostamente laico.

Laico e assexuado, espera-se.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Auto administração de testosterona e biopolítica


Conheça BEATRIZ PRECIADO, uma ativista queer que se auto administrou testosterona e escreveu um livro chamado TESTO YONQUI sobre o processo de transformação corporal, subjetiva e política que essa experiência proporcionou.
O site oficial é http://www.beatrizpreciado.com/ , de onde essa entrevista foi retirada.

PLEASE EXPLAIN, AS THROUGHLY AS POSSIBLE, HOW YOU CAME TO WRITE THIS BOOK, INCLUDING ANY INTERESTING EXPERIENCES YOU MIGHT HAVE HAD DURING YOUR BOOK'S RESEARCH, WRITING, AND PUBLISHING PROCESS:

El libro comienza siendo un diario de administración de testosterona en gel. Se trata de una hormona sintética que hoy puede conseguirse solamente dentro del marco de un proceso de cambio de sexo de mujer a hombre. El libro surge de una doble premisa: el deseo de auto-administrarme testosterona y la voluntad de hacerlo fuera del protocolo estatal de cambio de sexo. Fuera de un protocolo de cambio de sexo, la administración de testosterona se vuelve una droga ilegal. Pero, ¿por qué debería el Estado controlar el uso y consumo de las hormonas así llamadas sexuales? En el libro, frente a la gestión psiquiátrica de la transexualidad, se aboga por un uso ibre (copyleft) de las hormonas sexuales y de los códigos de género.

En realidad, yo había empezado a tomar testosterona y llevaba un diario de ese proceso, pero no había pensado todavía en hacerlo público. Pero en septiembre de 2005 muere Guillaume Dustan. Se trata de una figura importante dentro de las políticas y poéticas gays y lesbianas en Francia donde vivo. Desde Hervé Guibert, es el primer escritor abiertamente marica que concibe su escritura como un archivo total de su vida sexual. Para mi no era solo un escritor o un activista, sino que fue el editor de mi primer libro, Manifiesto Contra-Sexual, que se publicó en francés en el años 2000. Su muerte es la que va a empujarme a hacer pública mi proceso de administración. Testo Yonqui es un registro de mis prácticas con la testosterona, pero también un diario de duelo por su muerte.

No quería escribir un libro sobre la testosterona o sobre las prácticas transgénero. Sino un libro con la testosterona y con mi propia experiencia transgénero. El libro surge de esta experiencia. Creo que es algo que en filosofía hemos aprendido después de la segunda guerra mundial, después de Auschwitz, pero también después de los movimiento feministas y de lucha por los derechos civiles de las minorías raciales o étnicas: el pensamiento o es situado o no es pensamiento.

En el libro me he apoyado en aquellos pensadores que han producido conocimiento a partir de lo que yo denomino "el principio autocobaya", es decir, aquellos que comienzan la escritura experimentando con su propio cuerpo. Por ejemplo, Freud, que era un experimentador nato - en el libro yo le llamo "cloaca máxima"- porque aspiraba todo lo que tenía a mano (desde cocaína hasta las últimas técnicas de vasectomía de su época). Me he inspirado, por una parte, en el formato de los protocolos de intoxicación con psicotrópicos de principios y mediados del siglo XX como los de Poliakov y la morfina o de Walter Benjamin y el haschish; pero también en la literatura de autoficción gay, especialmente aquellos autores que utilizan la escritura para experimentar con su sexualidad como Hervé Guibert, Denis Cooper o Guillaume Dustan. En parte, el libro toma la forma de un diario de administración de dosis regulares de testosterona en gel durante 8 meses, se escribe durante el tiempo que dura esa experiencia. Como se trata de un experimento corporal, el lector encontrará tanto sesiones de administración de testosterona como relatos de mi propia sexualidad transgénero. Pero no es simplemente un registro personal. Porque en nuestras sociedades fuertemente estructuradas en términos de género (o eres hombre o eres mujer y son las instituciones médicas, psicológicas y jurídicas que trabajan con nociones de identidad sexual que provienen de la psicopatología del siglo XIX las que deciden) administrarse testosterona o habitar una condición transgénero son procesos inevitablemente políticos y culturales. Por eso, a la notación de los cambios producidos en mi cuerpo por la testosterona le acompaña un análisis de las condiciones económicas, farmacológicas, científicas y visuales en las que se producen y circulan las hormonas en la cultura contemporánea. Además, frente a la saturación de representaciones normativas de la sexualidad (tanto en la pornografía como en la publicidad o en el cine) el libro pretende producir representaciones de sexualidades minoritarias, que no pueden definirse simplemente como masculinas o femeninas, heterosexuales u homosexuales.

Hay dos imágenes que me ha acompañado durante todo este proceso de escritura y experimentación. Una fotografía del investigador Leonid Rogozov, un médico que durante una expedición en la Antártica en 1961 sufre un ataque de apendicitis y decide operarse a sí mismo. En la fotografía se le ve con el vientre anestesiado y abierto, pero consciente, utilizando sus propias manos para operarse. Otra es la imagen de un cyborg reparándose a sí mismo. En parte el libro es un ejercicio de auto-operación: abrir la caja negra de la identidad sexual pero haciendo un esfuerzo por estar consciente, intentando utilizar los instrumentos teóricos que ofrece la filosofía postestructural (Foucault, Derrida, Deleuze y Guattari), la filosofía económica postmarxista (Negri, Hardt, Marazzi, Lazzaratto, Virno) y la teoría queer (Judith Butler, Sedgwick). Nuestra identidad sexual tiene algo de imperativamente corporal y algo de robótica, efecto de un conjunto de sistemas construidos cultural y políticamente. El sexo y el género no son ni simplemente naturales ni únicamente un conjunto de signos culturales arbitrarios. Somos lo que Haraway denomina "sistemas tecnovivos". Pero podemos intervenir consciente y reflexivamente sobre esas construcciones.

Mi deseo es que Testo Yonqui sea una invitación para que el lector pueda mirar su propio cuerpo y su propia sexualidad como el efecto de un conjunto de procesos de construcción cultural, que se sienta al mismo tiempo liberado y comprometido con un proceso de producción colectiva que empezó a ser cuestionado y reformulado con los movimientos feministas y gays y lesbianos a finales de los años 60 y que es hoy un espacio de debate público, en el que, por tanto, deberíamos participar todos, no sólo las feministas o los homosexuales. Se trataría de tomar conciencia de que nuestras sexualidades y nuestros géneros son sistemas abiertos, ficciones colectivas, en las que podemos intervenir de forma más o menos normativa o creativa. Creo que este será uno de los retos para el futuro.

PLEASE SUMMARIZE WHAT YOUR BOOK IS ABOUT, DESCRIBING ITS MAIN THEME, ITS KEY ELMENTS, ITS SCOPE, AND THE FEATURES DISTINGUISHING IT FROM OTHER BOOKS OF SIMILAR SUBJECT:

Mi propia experiencia con la testosterona, mi cuerpo y mi sexualidad son el punto de partida para esbozar una teoría más amplia de cómo se producen las identidades de género y sexuales (la masculinidad y la feminidad, pero también la heterosexualidad y la homosexualidad) en las sociedades postindustriales. Para llevar a cabo este análisis, me he apoyado por una parte en Foucault y por otra en el feminismo queer americano. Foucault había propuesto un análisis lúcido del funcionamiento de los mecanismos de poder en los siglo XVIII y XIX, sin embargo, no había analizado el estatuto del cuerpo y de la subjetividad en las sociedades hiper tecnológicas y conectadas de la segunda mitad del siglo XX. Mi intención es llevar sus intuiciones hasta lo que yo llamo en el libro la "era farmacopornográfica", es decir, pensar con Foucault los cambios que se introducen después de la segunda guerra mundial con la invención del control farmacológico de la sexualidad (del que la comercialización de los esteroides y la invención de la píldora son el índice más notorio) y del estallido de la pornografía como nueva cultura de masas. Pero he querido llevar a cabo este análisis, incorporando algunas de las hipótesis más audaces del feminismo queer americano como las de Judith Butler, Eve K. Sedgwick o Donna Haraway. El movimiento queer , que apareció en Estados Unidos a principios de los años noventa como reacción a las políticas de identidad gays y lesbianas que abogaban por la integración de las diferencias en la cultura heterosexual dominante, se apropió del insulto queer (que en inglés significa maricón, tortillera, raro o tarado) para hacer de éste un espacio de crítica y contestación. Más allá de las luchas por la igualdad política o la defensa de la diferencia, las teorías queer proponen un análisis crítico de los procesos culturales y políticos a través de los que se construyen las identidades sexuales y de género (todas, tanto heterosexuales como homosexuales, masculinas como femeninas), alertándonos sobre los mecanismos de normalización, exclusión y naturalización que acompañan a la cristalización identitaria. En Testo Yonqui se afirma, por tanto, que las identidades sexuales no existen más allá de los códigos normativos políticos y culturales que las producen, y se estudian estos procesos en detalle.

Se analizan los circuitos discursivos, económicos y corporales a través de lo que se lleva a cabo la invención de las llamadas "hormonas sexuales" a principios del siglo XX, la transformación del control disciplinario durante el siglo XIX y principios del siglo XX (a través de lo que Foucault denominaba las instituciones de encierro como el hospital, la fábrica, el colegio, la prisión, etc.) en un nuevo control farmacopornográfico friendly y pop, un control molecular, microprostético y amistoso que se introduce en el cuerpo mismo y que promete liberar la sexualidad o mejorarla (como la píldora, la pornografía digital, el viagra, etc.). Y desde aquí y de la mano de las prácticas drag king (semejantes a las más conocidas drag queen, pero en las que se performa y parodia la masculinidad), de los movimientos transgénero (que critican los binomios normativos hombre-mujer, heterosexual-homosexual) o postporno (que buscan producir representaciones alternativas de la sexualidad a las que propone la pornografía dominante) se exploran vías de crítica, subversión y desplazamiento

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Diversidade sexual?!

"Os usos da expressão 'diversidade sexual' como forma de se endereçar a populações 'não heterossexuais' parecem ter acompanhado a difusão da categoria GLS no mercado brasileiro desde 1994, conforme examinado por França (2006). Recentemente, o termo vem sendo incorporado às ações do governo federal– dentre as quais a chamada para estudos sobre 'violência' e 'homofobia' , a qual concedeu apoio à pesquisa que conduzimos. No escopo deste trabalho, a categoria é empregada como ferramenta de análise, circunscrevendo formas de vivência da sexualidade que divergem da norma da heterossexualidade. Embora a expressão 'diversidade sexual' possa parecer destituída de caráter político, ligada ao consumo e ao mercado 'GLS', sinaliza para efeitos políticos associados à crescente visibilidade de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Revela um potencial interessante como
instrumento para reflexão, pois aponta inclusive para heterossexualidades dissidentes, como aquelas que podem emergir de estratégias de apresentação e processos de construção de si entre transexuais e travestis. É preciso ter em mente que embora a expressão tenha a pretensão de abranger certa pluralidade de experiências e modos de expressão da subjetividade, em seus usos sociais projetam-se novas zonas de sombra e novas marginalidades – excluindo, por exemplo, a 'pedofilia', a 'zoofilia' e outras práticas carregadas de sentidos de transgressão."

retirado da nota de rodapé do artigo Sexualidades ameaçadoras: religião e homofobia(s) em discursos evangélicos conservadores de Marcelo Natividade e Leandro de Oliveira

Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana

http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/SexualidadSaludySociedad

Fica a dica!

Do limão, ela fez uma baita caipirinha


14/8/2009

Conheça a história de Cheryl Chase, intersexual que superou traumas e tornou-se um símbolo

Por Thereza Pires do site mixbrasil.

O filme argentino “XXY", da diretora Lucía Puenzo, trata do universo dos portadores da síndrome de Klinefelter, que possuem um cromossomo extra herdado da mãe e tornam-se hermafroditas e estéreis. Estatísticas recentes mostram que um em cada 3 mil bebês apresenta essa patologia no Brasil. Seria um universo com algo em torno de 56 mil pessoas.

Cheryl Chase recebeu da vida um limão, e dos mais ácidos que se conhece: nasceu hermafrodita. E fez uma caprichada caipirinha: criou, em 1993, a Intersex Society of North America (ISNA), uma fundação jurídica sem fins lucrativos para representar os interesses dessa população, ajudando-a a lidar com a vergonha, tentando desmistificar o segredo envolvido e pregando a não aceitação das cirurgias genitais sem consentimento do paciente.Em 2000, a ISNA recebeu o Prêmio Internacional Felipa de Souza* para Direitos Humanos de Gays e Lésbicas pela publicação “Hermafroditas com Atitude”.

*Felipa de Souza (1556-1600) foi uma portuguesa lésbica acusada de "práticas nefandas" pelos carrascos do Santo Ofício na Bahia, no século XVI e queimada viva, como era de costume.

Em 2008, a ISNA mudou de rumo: sua líder passou a dedicar a vida a promover a compreensão, bem estar e saúde das pessoas e famílias afetadas pelas desordens de desenvolvimento sexual e a cuidar da interação entre pacientes, parentes e médicos. A idéia inicial foi aprimorada e maximizada.

É um menino? É uma menina?

A criança que nasceu em 14 de agosto de 1956, em New Jersey, surpreendeu os médicos por ter a chamada “genitália ambígua” e ficou resolvido que eles esperariam para decidir o que dizer à mãe, que permaneceu sedada por três dias. Foi informado o nascimento de um menino, batizado como Brian Sullivan.Uma cirurgia exploratória, realizada um ano e meio depois, mostrou que a criança tinha útero e testículos e era, na terminologia usada na época, hermafrodita. Foi sugerida uma ablação do clitóris, realizada aos dez anos de idade. A equipe composta de médicos e psicólogos sugeriu que os pais mudassem de cidade, apagassem os vestígios da existência do menino (incluindo rasgar fotos, etc) e passassem a considerar o fato de que tinham uma filha, agora chamada Bonnie Sullivan. Os pais, certamente confusos, explicaram muito pouco sobre o procedimento cirúrgico, afirmaram que tudo tinha sido bem sucedido e deixaram claro que ela não deveria falar a ninguém sobre a operação. Em 2000, Cheryl contou em entrevista à revista Salon: "Eles explicaram coisas que eu não tinha condição de entender e me levaram a um psicólogo que nunca tocou no assunto da intersexualidade, mas ofereceu uma boneca de plástico chamada “A mulher visível, com órgãos no abdome que poderia se transformar numa boneca grávida, talvez como preparação para o matrimônio e a maternidade.” Criada como uma garota, ao se tornar adulta não conseguia ter orgasmos como as outras mulheres. Aos 21 anos, na busca de explicação para tal situação, Cheryl teve acesso aos arquivos de seu caso. Descobriu que tinha sido operada, ainda bebê, por causa da ambiguidade genital. Os médicos também lhe extirparam o clitóris só porque era um pouco maior que o “normal”.

Vida no Japão

Cheryl cursou o MIT - com especialização em Matemática - e terminou o curso em 1983. Estudou japonês na Harvard Extension School e fez um curso intensivo no Summer Language. Começou a trabalhar como design gráfica e se mudou para o Japão como estudante visitante na Hiroshima University. Criou uma empresa de softwares nas proximidades de Tóquio enquanto trabalhava, ao mesmo tempo, como tradutora. Deprimidíssima, teve um esgotamento nervoso e revelou, naquela mesma entrevista à revista Salon, que pensou até em se suicidar “em frente ao médico que mutilou sua genitália”. Aos 35 anos, voltou aos Estados Unidos e resolveu esclarecer definitivamente sua situação: buscou pesquisadores, leu trabalhos acadêmicos e começou a juntar pessoas com problemas de indefinição sexual. Retomou seu trabalho como ativista e continuou os estudos de administração.

Os hermafroditas falaram

Em 1993, numa carta ao editor da publicação The Sciences (edição de julho/agosto) comunicou a decisão de fundar a Intersex Society of North America, pedindo que portadores da mesma condição, escrevessem a ela - agora usando o nome Cheryl Chase - para que, juntos, iniciassem o movimento para proteger seus direitos civis e humanos. Usava também o nome Bo Laurent.Com base nos depoimentos que obteve, fez um documentário cinematográfico de 34 minutos - "Os hermafroditas falam!” - onde pessoas com problemas de identificação sexual discutem o impacto psicológico causado pela sua situação, avaliam o tratamento médico e relatam a reação dos familiares.

Final feliz

Robin Mathias ajudou a formatar a organização como funciona nos dias de hoje. Robin é consultora executiva do FourThought Group Inc, onde cria novas práticas e sistemas na área de saúde. Em seu website, MathiasConsulting.com, ocupa-se das fraudes nos sistemas de saúde e propõe reformas de base para eliminar o problema. E é membro da Gay and Lesbian Medical Association. O envolvimento com a ISNA transformou a vida desta médica militante, que declara: ”Além das mudanças acontecidas na minha vida pessoal desde que conheci Cheryl, a experiência com o ISNA engrandeceu minha vida profissional e me ensinou como ter visibilidade em minha área de atuação" .Robin e Cheryl casaram-se no ano passado em San Francisco e vivem em sua fazenda, no Condado de Sonoma, Califórnia.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Genética e gênero

Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0004-273020050001&lng=en&nrm=iso

recheados de artigos sobre genética e gênero (que merecem uma boa problematização!)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Há distinção entre sexo e gênero?

Butler diz que a distinção entre sexo e gênero foi elaborada para problematizar o biológico como destino. Portanto, sexo estaria para o biológico, assim como gênero para o cultural. O gênero sendo uma construção cultural, não deveria restringir-se a um sistema binário, restrição a qual o sexo é submetido. Homem e masculino referindo-se a um corpo masculino ou feminino, e mulher e feminino atribuídos não só a um corpo feminino, mas também masculino. Acontece que Butler nos pergunta: "Seriam os fatos ostensivamente naturais do sexo produzidos discursivamente por vários discursos científicos a serviço de outros interesses políticos e sociais?". Esse questionamento coloca por terra a distinção entre sexo e gênero. O sexo também seria uma construção cultural.

Referência


Um nome de peso em estudos sobre gênero no Rio de Janeiro: MÁRCIA ARÁN.


Márcia Arán é Psicóloga pela Universidade de Caxias do Sul, Mestre e Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com Doutorado - Sanduíche pelo Centre de Recherche Medecine, Sciences, Sante et Societe. É professora do Instituto de Medicina Social da UERJ.

Segue link com alguns de seus artigos:
http://www.ims.uerj.br/transexualidadesaude/artigos.php