domingo, 30 de agosto de 2009

Tornar-se "gay"

No livro “Reflexões sobre a Questão Gay”, o autor Didier Eribon cita o esclarecimento de Foucault em 1982 à respeito de sua fala anterior sobre a homossexualidade, onde diz que esta deve ser algo desejável e não uma forma de desejo:

“Eu gostaria de dizer: ‘É preciso ser gay’, colocar-se numa dimensão em que as escolhas sexuais que fazemos estão presentes e têm seus efeitos sobre o conjunto de nossa vida. Eu queria dizer que também essas escolhas devem ser ao mesmo tempo criadoras de modos de vida. Ser gay significa que essas escolhas se difundem pela vida inteira; também é uma certa maneira de recusar os modos de vida propostos, é fazer da escolha sexual o operador de uma mudança de existência. Não ser gay é dizer: ‘como vou poder limitar os efeitos de minha escolha sexual de tal maneira que a minha vida em nada seja mudada’. Eu direi, é preciso usar da sexualidade para descobrir, inventar novas relações. Ser gay é ser em devir, e para responder à sua questão, acrescentarei que não se deve ser homossexual, mas procurar ser gay”.

apud ERIBON, Didier. Reflexões sobre a questão gay. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008, p. 390.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Rainbow Reviews

Um site que se propõe a "honestas e inteligentes" críticas de livros gays, lésbicos, bissexuais e transgêneros. Para além das revisões, um bom arquivo da literatura LGBT internacional com mais de 1.500 livros listados! Temos ainda a opção de sugerir um livro para ser criticado. No link "entrevistas", encontramos uma série de autores entrevistados. Confira!

http://www.rainbow-reviews.com/

Foucault e a Cultura Gay

É o texto de abertura do site da ABEH e achei válido reproduzí-lo aqui:

“A questão da cultura gay ... uma cultura no sentido amplo, uma cultura que inventa modalidades de relações, modos de vida, tipos de valores, formas de troca entre indivíduos que sejam realmente novas, que não sejam homogêneos nem se sobreponham às formas culturais gerais. (...) uma cultura que só tem sentido a partir de uma experiência sexual e de um tipo de relações que lhe seja próprio” (Michel Foucault).

Extraído de "O triunfo do prazer sexual: uma conversação com Michel Foucault. In: MOTTA, Manuel de Barros (org.). Michel Foucault: Ética, sexualidade, política [Ditos & escritos, V]. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 122-3.

Intercâmbio e pesquisas

A Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH) é uma entidade sem fins lucrativos, que tem como principal proposta fomentar e realizar intercâmbios e pesquisas sobre homossexualidade, homoerotismo, estudos gays e lésbicos, bissexuais, transgêneros e teoria queer. Ela congrega professores, alunos de graduação e pós-graduação, profissionais, pesquisadores e demais interessados. A ABEH foi fundada em 13 de junho de 2001, em Niterói (RJ), em Assembléia realizada no Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Objetivos da ABEH

· Promover o desenvolvimento de um pensamento crítico sobre a homocultura, mediante o estímulo à pesquisa e ao debate acadêmico, à troca de experiências entre pesquisadores e demais interessados;

· Criar um fórum permanente de debate para discussão e intercâmbio, nacional e internacional, de experiências sobre visibilidade de diferentes expressões e discursos da homocultura no Brasil e no mundo;

· Estimular pesquisadores universitários, de diferentes áreas e instituições acadêmicas, no intuito de construir saberes interdisciplinares, incorporando várias áreas do conhecimento nas discussões sobre homocultura;

· Congregar e fomentar pesquisadores provenientes de universidades brasileiras que trabalham a temática da homocultura;

· Contribuir para o desenvolvimento e manutenção dos estudos científicos, interessados nas políticas educacionais e sociais, em favor das minorias sexuais no Brasil.


http://www.fafich.ufmg.br/~abeh/index.html

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Heterossexualidade dissidente

Dissidência é discordar do que é instituído e muitas vezes considerado natural. No entanto, a luta do dissidente não ocorre como a luta dos opositores. A oposição é um grupo maior que não se exclui e enfrenta legalmente o poder estabelecido. A dissidência é um grupo menor que discorda do regime, mas exclui-se de enfrentá-lo diretamente.

No post abaixo intitulado "Diversidade Sexual", reproduzo uma nota de rodapé de um artigo cujos autores descrevem os usos da expressão "diversidade sexual". No meio da explicação, utilizam-se de outra expressão: "heterossexualidade dissidente", associando-a a transgêneros que, apesar de questionarem as normas de sexo e gênero, vivem relacionamentos “heterossexuais”.

Na revista "Junior", ano 2, #12 (agosto 2009), a reportagem "Às avessas" traz o exemplo de Karen, uma lésbica, e Rhayana, um travesti, que formam um casal nada convencional, inclusive para o "time"! Karen não se reconhece como transexual: "sou sapatão, lésbica ou qualquer outro adjetivo que simbolize a vontade de estar com uma mulher", e elogia a feminilidade e o corpo da companheira, considerada uma "mulher mais que perfeita". Mas é como homem que a vê Rhayana: "Não sei como seria caso ela deixasse o cabelo crescer e aparentasse uma mulher. Ela é vaidosa, mas sempre pelo lado masculino". Ambas discordam quando o assunto é nomear o tipo de relacionamento que vivenciam. Para Karen, "versátil" é a palavra mais adequada, já Rhayana acredita formarem um "casal biologicamente heterossexual". "Temos sexos biológicos diferentes: um pênis e uma vagina", explica a travesti.

Assim, se pensarmos anatomicamente, Karen é considerada uma mulher e Rhayana um homem. No entanto, Karen é uma mulher que gosta de mulheres e Rhayana um homem que gosta de homens, colocando em cheque a escolha de ambos. Acontece que, performaticamente, Karen aparenta ser homem e Rhayana mulher. Fechou! ...Fechou? E na cama? Uma lésbica que irá encontrar na cama um corpo feminino que inclui um pênis e um travesti que encontrará uma vagina cheia de atitude! Mas isso é ser lésbica? Isso é ser travesti? Ele justamente não se fantasia de mulher para conquistar um homem?

A questão é que estamos muito presos aos conceitos de identidade e representação. Temos uma ideia instituída e construída historicamente do que é ser mulher, homem, masculino, feminino, o que já dificulta conceber a homossexualidade, ainda mais uma lésbica namorar um travesti! Tentar definir e redefinir identidades é estar preso a "a prioris" e as novas formas de se relacionar serão motivo de surpresa e espanto, quando não horror. Assim, a Karen irá sempre ser vista pela "classe" como exceção ou aberração, a não ser que lute e faça incluir no "manual da lésbica" seu comportamento antes estranho. No entanto, outras estranhezas continuarão aparecendo à margem. Não é mais fácil desistir do “manual”?

Karen e Rhayana são designados "heterossexuais dissidentes": "heterossexuais" tomando-se como referência sua anatomia e "dissidentes" por subverterem, mesmo que não de uma forma organizada legalmente, a identidade que entende por heterossexual a relação de um homem masculino com uma mulher feminina. Andam pelas ruas de Curitiba de mãos dadas, sem se preocuparem com os cutucões e apontamentos, promovendo o que Guattari chamou de "micropolítica do desejo".

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Entrevista com Beatriz Preciado

Dá-lhe Cuenca!

Enviado por João Paulo Cuenca - 18.8.2009 15h16m

O árbitro moral é o dono do boteco

Cena recorrente no Balneário é a expulsão de um casal homossexual por trocar beijos ou estar de mãos dadas num bar. Repercute na imprensa bissextamente e quando trata-se de lugar na Zona Sul - há algum tempo, o pré-moderninho Mofo, no Flamengo, na última semana o neo-botequim Chico & Alaíde, no orquidário do Leblon.

Publicada no suplemento Rio Show de sexta passada, a justificativa do gente boa proprietário do bar, Chico Chagas, é um primor de estupidez e ignorância automática que merece ser reproduzida ipsis litteris e comentada em partes:

1- “Eu não tenho nada contra gays, mas este é um bar família, cheio de crianças. Tem que se comportar melhor.”

Antes de tudo, o Chico poderia definir o que exatamente faz de um bar família – para os meus padrões, nunca entrei num desses (e tenho o azar de conhecer todos os bares do Principado do Leblon). Depois, gostaria de entender o que tantas crianças fazem numa casa cujo produto principal são tulipas sobrevalorizadas de chope - os salgadinhos caíram muito de qualidade desde que saíram da cozinha do Bracarense, diga-se. Também seria interessante que o Chico definisse o que é se comportar melhor. Beijar alguém do mesmo sexo na boca é se comportar pior baseado em que tipo de parâmetro? Seja qual for, preconceito contra opção sexual de terceiros, além de falta do que fazer, é tipificado como crime pelas leis brasileiras.

Leis? Mas quem precisa delas numa sociedade em que o árbitro moral é o dono do boteco?

2- Vossa Senhoria continua a deblaterar: “Depois de alguns clientes reclamarem comigo, eu intervi. Falei educadamente com eles que, aliás, não eram nada discretos.”

Os clientes tem todo o direito de reclamar de qualquer coisa, inclusive do preço do chope e da temperatura da empadinha, dados objetivos e facilmente quantificáveis. Já discrição é conceito relativo. Se aquele fosse um casal “normal”, segundo os padrões dos proprietários e da clientela do boteco, imagino que fosse considerado discreto. De qualquer forma, não há educadamente que justifique tamanho absurdo - um bar é um lugar público e um beijo homossexual não é atentado ao pudor.

***

Esse tipo de tribunal urbano é o que dá origens a manifestações que já deveriam ser anacrônicas, como passeatas de orgulho gay que estampam gosto pessoal em bandeiras multicoloridas.
Enquanto seres humanos do mesmo gênero não puderem andar de mãos dadas e beijarem-se sem que isso seja considerado um ato subversivo ou, pior, político, estaremos sujeitos a idéia bizarra de que alguém deva orgulhar-se por ter uma ou outra opção sexual.

***

Nada disso surpreende num país em que o fato novo da campanha eleitoral para a sucessão presidencial de 2010, até então polarizada entre o sujo e o mal lavado, é a aparição de uma pré-candidata que defende o ensino criacionista nas escolas públicas.

Num reino onde confunde-se o público com o privado em todas as esferas, deve ser normal que fiéis a Deus imponham sua crença dentro de salas de aula sustentadas pelo Estado, supostamente laico.

Laico e assexuado, espera-se.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Auto administração de testosterona e biopolítica


Conheça BEATRIZ PRECIADO, uma ativista queer que se auto administrou testosterona e escreveu um livro chamado TESTO YONQUI sobre o processo de transformação corporal, subjetiva e política que essa experiência proporcionou.
O site oficial é http://www.beatrizpreciado.com/ , de onde essa entrevista foi retirada.

PLEASE EXPLAIN, AS THROUGHLY AS POSSIBLE, HOW YOU CAME TO WRITE THIS BOOK, INCLUDING ANY INTERESTING EXPERIENCES YOU MIGHT HAVE HAD DURING YOUR BOOK'S RESEARCH, WRITING, AND PUBLISHING PROCESS:

El libro comienza siendo un diario de administración de testosterona en gel. Se trata de una hormona sintética que hoy puede conseguirse solamente dentro del marco de un proceso de cambio de sexo de mujer a hombre. El libro surge de una doble premisa: el deseo de auto-administrarme testosterona y la voluntad de hacerlo fuera del protocolo estatal de cambio de sexo. Fuera de un protocolo de cambio de sexo, la administración de testosterona se vuelve una droga ilegal. Pero, ¿por qué debería el Estado controlar el uso y consumo de las hormonas así llamadas sexuales? En el libro, frente a la gestión psiquiátrica de la transexualidad, se aboga por un uso ibre (copyleft) de las hormonas sexuales y de los códigos de género.

En realidad, yo había empezado a tomar testosterona y llevaba un diario de ese proceso, pero no había pensado todavía en hacerlo público. Pero en septiembre de 2005 muere Guillaume Dustan. Se trata de una figura importante dentro de las políticas y poéticas gays y lesbianas en Francia donde vivo. Desde Hervé Guibert, es el primer escritor abiertamente marica que concibe su escritura como un archivo total de su vida sexual. Para mi no era solo un escritor o un activista, sino que fue el editor de mi primer libro, Manifiesto Contra-Sexual, que se publicó en francés en el años 2000. Su muerte es la que va a empujarme a hacer pública mi proceso de administración. Testo Yonqui es un registro de mis prácticas con la testosterona, pero también un diario de duelo por su muerte.

No quería escribir un libro sobre la testosterona o sobre las prácticas transgénero. Sino un libro con la testosterona y con mi propia experiencia transgénero. El libro surge de esta experiencia. Creo que es algo que en filosofía hemos aprendido después de la segunda guerra mundial, después de Auschwitz, pero también después de los movimiento feministas y de lucha por los derechos civiles de las minorías raciales o étnicas: el pensamiento o es situado o no es pensamiento.

En el libro me he apoyado en aquellos pensadores que han producido conocimiento a partir de lo que yo denomino "el principio autocobaya", es decir, aquellos que comienzan la escritura experimentando con su propio cuerpo. Por ejemplo, Freud, que era un experimentador nato - en el libro yo le llamo "cloaca máxima"- porque aspiraba todo lo que tenía a mano (desde cocaína hasta las últimas técnicas de vasectomía de su época). Me he inspirado, por una parte, en el formato de los protocolos de intoxicación con psicotrópicos de principios y mediados del siglo XX como los de Poliakov y la morfina o de Walter Benjamin y el haschish; pero también en la literatura de autoficción gay, especialmente aquellos autores que utilizan la escritura para experimentar con su sexualidad como Hervé Guibert, Denis Cooper o Guillaume Dustan. En parte, el libro toma la forma de un diario de administración de dosis regulares de testosterona en gel durante 8 meses, se escribe durante el tiempo que dura esa experiencia. Como se trata de un experimento corporal, el lector encontrará tanto sesiones de administración de testosterona como relatos de mi propia sexualidad transgénero. Pero no es simplemente un registro personal. Porque en nuestras sociedades fuertemente estructuradas en términos de género (o eres hombre o eres mujer y son las instituciones médicas, psicológicas y jurídicas que trabajan con nociones de identidad sexual que provienen de la psicopatología del siglo XIX las que deciden) administrarse testosterona o habitar una condición transgénero son procesos inevitablemente políticos y culturales. Por eso, a la notación de los cambios producidos en mi cuerpo por la testosterona le acompaña un análisis de las condiciones económicas, farmacológicas, científicas y visuales en las que se producen y circulan las hormonas en la cultura contemporánea. Además, frente a la saturación de representaciones normativas de la sexualidad (tanto en la pornografía como en la publicidad o en el cine) el libro pretende producir representaciones de sexualidades minoritarias, que no pueden definirse simplemente como masculinas o femeninas, heterosexuales u homosexuales.

Hay dos imágenes que me ha acompañado durante todo este proceso de escritura y experimentación. Una fotografía del investigador Leonid Rogozov, un médico que durante una expedición en la Antártica en 1961 sufre un ataque de apendicitis y decide operarse a sí mismo. En la fotografía se le ve con el vientre anestesiado y abierto, pero consciente, utilizando sus propias manos para operarse. Otra es la imagen de un cyborg reparándose a sí mismo. En parte el libro es un ejercicio de auto-operación: abrir la caja negra de la identidad sexual pero haciendo un esfuerzo por estar consciente, intentando utilizar los instrumentos teóricos que ofrece la filosofía postestructural (Foucault, Derrida, Deleuze y Guattari), la filosofía económica postmarxista (Negri, Hardt, Marazzi, Lazzaratto, Virno) y la teoría queer (Judith Butler, Sedgwick). Nuestra identidad sexual tiene algo de imperativamente corporal y algo de robótica, efecto de un conjunto de sistemas construidos cultural y políticamente. El sexo y el género no son ni simplemente naturales ni únicamente un conjunto de signos culturales arbitrarios. Somos lo que Haraway denomina "sistemas tecnovivos". Pero podemos intervenir consciente y reflexivamente sobre esas construcciones.

Mi deseo es que Testo Yonqui sea una invitación para que el lector pueda mirar su propio cuerpo y su propia sexualidad como el efecto de un conjunto de procesos de construcción cultural, que se sienta al mismo tiempo liberado y comprometido con un proceso de producción colectiva que empezó a ser cuestionado y reformulado con los movimientos feministas y gays y lesbianos a finales de los años 60 y que es hoy un espacio de debate público, en el que, por tanto, deberíamos participar todos, no sólo las feministas o los homosexuales. Se trataría de tomar conciencia de que nuestras sexualidades y nuestros géneros son sistemas abiertos, ficciones colectivas, en las que podemos intervenir de forma más o menos normativa o creativa. Creo que este será uno de los retos para el futuro.

PLEASE SUMMARIZE WHAT YOUR BOOK IS ABOUT, DESCRIBING ITS MAIN THEME, ITS KEY ELMENTS, ITS SCOPE, AND THE FEATURES DISTINGUISHING IT FROM OTHER BOOKS OF SIMILAR SUBJECT:

Mi propia experiencia con la testosterona, mi cuerpo y mi sexualidad son el punto de partida para esbozar una teoría más amplia de cómo se producen las identidades de género y sexuales (la masculinidad y la feminidad, pero también la heterosexualidad y la homosexualidad) en las sociedades postindustriales. Para llevar a cabo este análisis, me he apoyado por una parte en Foucault y por otra en el feminismo queer americano. Foucault había propuesto un análisis lúcido del funcionamiento de los mecanismos de poder en los siglo XVIII y XIX, sin embargo, no había analizado el estatuto del cuerpo y de la subjetividad en las sociedades hiper tecnológicas y conectadas de la segunda mitad del siglo XX. Mi intención es llevar sus intuiciones hasta lo que yo llamo en el libro la "era farmacopornográfica", es decir, pensar con Foucault los cambios que se introducen después de la segunda guerra mundial con la invención del control farmacológico de la sexualidad (del que la comercialización de los esteroides y la invención de la píldora son el índice más notorio) y del estallido de la pornografía como nueva cultura de masas. Pero he querido llevar a cabo este análisis, incorporando algunas de las hipótesis más audaces del feminismo queer americano como las de Judith Butler, Eve K. Sedgwick o Donna Haraway. El movimiento queer , que apareció en Estados Unidos a principios de los años noventa como reacción a las políticas de identidad gays y lesbianas que abogaban por la integración de las diferencias en la cultura heterosexual dominante, se apropió del insulto queer (que en inglés significa maricón, tortillera, raro o tarado) para hacer de éste un espacio de crítica y contestación. Más allá de las luchas por la igualdad política o la defensa de la diferencia, las teorías queer proponen un análisis crítico de los procesos culturales y políticos a través de los que se construyen las identidades sexuales y de género (todas, tanto heterosexuales como homosexuales, masculinas como femeninas), alertándonos sobre los mecanismos de normalización, exclusión y naturalización que acompañan a la cristalización identitaria. En Testo Yonqui se afirma, por tanto, que las identidades sexuales no existen más allá de los códigos normativos políticos y culturales que las producen, y se estudian estos procesos en detalle.

Se analizan los circuitos discursivos, económicos y corporales a través de lo que se lleva a cabo la invención de las llamadas "hormonas sexuales" a principios del siglo XX, la transformación del control disciplinario durante el siglo XIX y principios del siglo XX (a través de lo que Foucault denominaba las instituciones de encierro como el hospital, la fábrica, el colegio, la prisión, etc.) en un nuevo control farmacopornográfico friendly y pop, un control molecular, microprostético y amistoso que se introduce en el cuerpo mismo y que promete liberar la sexualidad o mejorarla (como la píldora, la pornografía digital, el viagra, etc.). Y desde aquí y de la mano de las prácticas drag king (semejantes a las más conocidas drag queen, pero en las que se performa y parodia la masculinidad), de los movimientos transgénero (que critican los binomios normativos hombre-mujer, heterosexual-homosexual) o postporno (que buscan producir representaciones alternativas de la sexualidad a las que propone la pornografía dominante) se exploran vías de crítica, subversión y desplazamiento

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Diversidade sexual?!

"Os usos da expressão 'diversidade sexual' como forma de se endereçar a populações 'não heterossexuais' parecem ter acompanhado a difusão da categoria GLS no mercado brasileiro desde 1994, conforme examinado por França (2006). Recentemente, o termo vem sendo incorporado às ações do governo federal– dentre as quais a chamada para estudos sobre 'violência' e 'homofobia' , a qual concedeu apoio à pesquisa que conduzimos. No escopo deste trabalho, a categoria é empregada como ferramenta de análise, circunscrevendo formas de vivência da sexualidade que divergem da norma da heterossexualidade. Embora a expressão 'diversidade sexual' possa parecer destituída de caráter político, ligada ao consumo e ao mercado 'GLS', sinaliza para efeitos políticos associados à crescente visibilidade de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Revela um potencial interessante como
instrumento para reflexão, pois aponta inclusive para heterossexualidades dissidentes, como aquelas que podem emergir de estratégias de apresentação e processos de construção de si entre transexuais e travestis. É preciso ter em mente que embora a expressão tenha a pretensão de abranger certa pluralidade de experiências e modos de expressão da subjetividade, em seus usos sociais projetam-se novas zonas de sombra e novas marginalidades – excluindo, por exemplo, a 'pedofilia', a 'zoofilia' e outras práticas carregadas de sentidos de transgressão."

retirado da nota de rodapé do artigo Sexualidades ameaçadoras: religião e homofobia(s) em discursos evangélicos conservadores de Marcelo Natividade e Leandro de Oliveira

Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana

http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/SexualidadSaludySociedad

Fica a dica!

Do limão, ela fez uma baita caipirinha


14/8/2009

Conheça a história de Cheryl Chase, intersexual que superou traumas e tornou-se um símbolo

Por Thereza Pires do site mixbrasil.

O filme argentino “XXY", da diretora Lucía Puenzo, trata do universo dos portadores da síndrome de Klinefelter, que possuem um cromossomo extra herdado da mãe e tornam-se hermafroditas e estéreis. Estatísticas recentes mostram que um em cada 3 mil bebês apresenta essa patologia no Brasil. Seria um universo com algo em torno de 56 mil pessoas.

Cheryl Chase recebeu da vida um limão, e dos mais ácidos que se conhece: nasceu hermafrodita. E fez uma caprichada caipirinha: criou, em 1993, a Intersex Society of North America (ISNA), uma fundação jurídica sem fins lucrativos para representar os interesses dessa população, ajudando-a a lidar com a vergonha, tentando desmistificar o segredo envolvido e pregando a não aceitação das cirurgias genitais sem consentimento do paciente.Em 2000, a ISNA recebeu o Prêmio Internacional Felipa de Souza* para Direitos Humanos de Gays e Lésbicas pela publicação “Hermafroditas com Atitude”.

*Felipa de Souza (1556-1600) foi uma portuguesa lésbica acusada de "práticas nefandas" pelos carrascos do Santo Ofício na Bahia, no século XVI e queimada viva, como era de costume.

Em 2008, a ISNA mudou de rumo: sua líder passou a dedicar a vida a promover a compreensão, bem estar e saúde das pessoas e famílias afetadas pelas desordens de desenvolvimento sexual e a cuidar da interação entre pacientes, parentes e médicos. A idéia inicial foi aprimorada e maximizada.

É um menino? É uma menina?

A criança que nasceu em 14 de agosto de 1956, em New Jersey, surpreendeu os médicos por ter a chamada “genitália ambígua” e ficou resolvido que eles esperariam para decidir o que dizer à mãe, que permaneceu sedada por três dias. Foi informado o nascimento de um menino, batizado como Brian Sullivan.Uma cirurgia exploratória, realizada um ano e meio depois, mostrou que a criança tinha útero e testículos e era, na terminologia usada na época, hermafrodita. Foi sugerida uma ablação do clitóris, realizada aos dez anos de idade. A equipe composta de médicos e psicólogos sugeriu que os pais mudassem de cidade, apagassem os vestígios da existência do menino (incluindo rasgar fotos, etc) e passassem a considerar o fato de que tinham uma filha, agora chamada Bonnie Sullivan. Os pais, certamente confusos, explicaram muito pouco sobre o procedimento cirúrgico, afirmaram que tudo tinha sido bem sucedido e deixaram claro que ela não deveria falar a ninguém sobre a operação. Em 2000, Cheryl contou em entrevista à revista Salon: "Eles explicaram coisas que eu não tinha condição de entender e me levaram a um psicólogo que nunca tocou no assunto da intersexualidade, mas ofereceu uma boneca de plástico chamada “A mulher visível, com órgãos no abdome que poderia se transformar numa boneca grávida, talvez como preparação para o matrimônio e a maternidade.” Criada como uma garota, ao se tornar adulta não conseguia ter orgasmos como as outras mulheres. Aos 21 anos, na busca de explicação para tal situação, Cheryl teve acesso aos arquivos de seu caso. Descobriu que tinha sido operada, ainda bebê, por causa da ambiguidade genital. Os médicos também lhe extirparam o clitóris só porque era um pouco maior que o “normal”.

Vida no Japão

Cheryl cursou o MIT - com especialização em Matemática - e terminou o curso em 1983. Estudou japonês na Harvard Extension School e fez um curso intensivo no Summer Language. Começou a trabalhar como design gráfica e se mudou para o Japão como estudante visitante na Hiroshima University. Criou uma empresa de softwares nas proximidades de Tóquio enquanto trabalhava, ao mesmo tempo, como tradutora. Deprimidíssima, teve um esgotamento nervoso e revelou, naquela mesma entrevista à revista Salon, que pensou até em se suicidar “em frente ao médico que mutilou sua genitália”. Aos 35 anos, voltou aos Estados Unidos e resolveu esclarecer definitivamente sua situação: buscou pesquisadores, leu trabalhos acadêmicos e começou a juntar pessoas com problemas de indefinição sexual. Retomou seu trabalho como ativista e continuou os estudos de administração.

Os hermafroditas falaram

Em 1993, numa carta ao editor da publicação The Sciences (edição de julho/agosto) comunicou a decisão de fundar a Intersex Society of North America, pedindo que portadores da mesma condição, escrevessem a ela - agora usando o nome Cheryl Chase - para que, juntos, iniciassem o movimento para proteger seus direitos civis e humanos. Usava também o nome Bo Laurent.Com base nos depoimentos que obteve, fez um documentário cinematográfico de 34 minutos - "Os hermafroditas falam!” - onde pessoas com problemas de identificação sexual discutem o impacto psicológico causado pela sua situação, avaliam o tratamento médico e relatam a reação dos familiares.

Final feliz

Robin Mathias ajudou a formatar a organização como funciona nos dias de hoje. Robin é consultora executiva do FourThought Group Inc, onde cria novas práticas e sistemas na área de saúde. Em seu website, MathiasConsulting.com, ocupa-se das fraudes nos sistemas de saúde e propõe reformas de base para eliminar o problema. E é membro da Gay and Lesbian Medical Association. O envolvimento com a ISNA transformou a vida desta médica militante, que declara: ”Além das mudanças acontecidas na minha vida pessoal desde que conheci Cheryl, a experiência com o ISNA engrandeceu minha vida profissional e me ensinou como ter visibilidade em minha área de atuação" .Robin e Cheryl casaram-se no ano passado em San Francisco e vivem em sua fazenda, no Condado de Sonoma, Califórnia.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Genética e gênero

Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0004-273020050001&lng=en&nrm=iso

recheados de artigos sobre genética e gênero (que merecem uma boa problematização!)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Há distinção entre sexo e gênero?

Butler diz que a distinção entre sexo e gênero foi elaborada para problematizar o biológico como destino. Portanto, sexo estaria para o biológico, assim como gênero para o cultural. O gênero sendo uma construção cultural, não deveria restringir-se a um sistema binário, restrição a qual o sexo é submetido. Homem e masculino referindo-se a um corpo masculino ou feminino, e mulher e feminino atribuídos não só a um corpo feminino, mas também masculino. Acontece que Butler nos pergunta: "Seriam os fatos ostensivamente naturais do sexo produzidos discursivamente por vários discursos científicos a serviço de outros interesses políticos e sociais?". Esse questionamento coloca por terra a distinção entre sexo e gênero. O sexo também seria uma construção cultural.

Referência


Um nome de peso em estudos sobre gênero no Rio de Janeiro: MÁRCIA ARÁN.


Márcia Arán é Psicóloga pela Universidade de Caxias do Sul, Mestre e Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com Doutorado - Sanduíche pelo Centre de Recherche Medecine, Sciences, Sante et Societe. É professora do Instituto de Medicina Social da UERJ.

Segue link com alguns de seus artigos:
http://www.ims.uerj.br/transexualidadesaude/artigos.php

Ninguém é 100% homem ou 100% mulher. Somos todos intersexuais.

Qua, 22/07/09
por Letícia Sorg

Depois dos heterossexuais, dos homossexuais e dos transexuais, chegou a vez dos “intersexuais”. Para o imunologista Gerald Callahan, professor da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, não somos homem ou mulher. O pesquisador chegou a essa conclusão ao estudar as pessoas que nascem com genitália ambígua. “Pode acontecer de a pessoa ter a genitália interna feminina e a externa masculina”, diz o imunologista. Por isso, não são, de cara, identificadas como homens ou mulheres. Em seu livro Between XX and XY - Intersexuality and the Myth of Two Sexes (Entre XX e XY - Intersexualidade e o Mito dos Dois Sexos), lançado neste mês nos Estados Unidos, Callahan conta a história de algumas pessoas nessa situação e convida todos a repensar a rígida divisão das pessoas em apenas dois extremos. “Hoje penso no sexo de uma pessoa como se pensasse em sua posição política ou na cor de seus olhos ou cabelos. Há todo um espectro”. Depois de ler a entrevista de Callahan ao Mulher 7×7, você ainda acha que o mundo pode ser dividido entre homens e mulheres?

Como o senhor decidiu escrever o livro sobre intersexualidade?
Gerald Callahan – Dou um curso na universidade sobre a construção do eu em que falo sobre como formamos a imagem de nós mesmos. E um dos assuntos de que falamos é gênero, que é um dos primeiros que surgem quando tentamos definir quem somos. E tentamos refletir sobre como o gênero afeta o modo como nos vemos. E, fazendo uma pesquisa para esse curso, vi um artigo da revista Discovery, vários anos atrás, que dizia que, por ano, nascem, no mundo, 65 mil crianças com sexo indeterminado, ou seja, que não são identificados como meninos ou meninas logo de cara. E fiquei muito surpreso com esse número. Como imunologista, já sabia de algumas raras síndromes que geravam crianças intersexuais, mas nunca uma quantidade desse tamanho de pessoas. Vi que havia muito mais a se dizer sobre o assunto, que eu poderia estudar mais sobre a determinação biológica do sexo no desenvolvimento das crianças. Vi que a ideia que eu tinha há tanto tempo sobre apenas duas opções de sexo, mulher ou homem, era muito limitada para entender o mundo. Estamos todos entre um extremo e outro. Somos todos intersexuais.

Esse trabalho teve alguma influência sobre sua forma de ver o mundo?
Callahan – Ele basicamente alterou tudo. Numa sala cheia de pessoas, hoje, tenho uma noção muito maior da variedade, e não espero que as pessoas se comportem de uma maneira ou de outra. Até mesmo sobre mim não penso mais do mesmo jeito. Penso em mim mesmo como uma mistura entre feminino e masculino: estou em algum ponto no meio desses dois extremos. Hoje penso no sexo de uma pessoa como se pensasse em sua posição política ou na cor de seus olhos ou cabelos. Não consigo mais dividi-las tão facilmente em duas categorias e esperar delas um certo tipo de comportamento. Há todo um espectro.

Cientificamente, o que nos define como homens ou como mulheres?
Callahan – No final da minha pesquisa, senti que não havia critério para definir claramente se uma pessoa era homem ou mulher. A maioria das pessoas cita os cromossomos: mulheres são XX e homens são XY. Mas uma mulher que foi corajosa o suficiente para falar comigo em minha pesquisa era XY. Ela foi tomada como uma menina e cresceu como uma menina. Só depois os testes apontaram características masculinas, como o cromossomo Y e a testotesrona. Mas o fato é que ela não tinha células para receber esse hormônio. Há também casos de homens que são XX. Pode acontecer, também, de a pessoa ter a genitália interna feminina e a externa masculina, por causa da superprodução de hormônios masculinos durante o desenvolvimento. Portanto, a aparência da genitália pode não ser suficiente para definir uma pessoa como macho ou fêmea… E tudo vai ficando muito complicado. Encontrei mesmo um caso nos Estados Unidos em que a certidão teve que ser corrigida anos depois do nascimento da criança.

O senhor acha que sua argumentação poderia, por exemplo, servir de base para a liberação do casamento entre homossexuais?
Callahan – Sim. Se você estivesse tentando aprovar uma lei sobre isso, eu incentivaria a questionar como se define se alguém é homem ou mulher. Em muitos casos, é preciso levar em consideração o comportamento, a percepção das pessoas sobre si mesmas, para definir o gênero. Uma das pessoas com quem falei para o meu estudo, por exemplo, era XXXY. Isso significa que, no útero, ela começou seu desenvolvimento como um par de gêmeos, mas se tornou um único indivíduo. Ela tem genitália ambígua, mas pensa em si mesma como uma mulher. O sexo, no fim das contas, pode ser mais social do que biológico. Por isso, acho que a opinião da pessoa é um fator determinante.

Não sei se o senhor soube, mas um casal da Suécia decidiu criar sua criança sem revelar seu sexo. Os pais chamam-na de Pop e compram roupas azuis e rosa. Eles dizem que querem que a criança cresça com liberdade, sem um sexo que molde o seu comportamento. Qual sua opinião sobre isso?
Callahan – Acho admirável. Uma das pessoas com quem falei, uma especialista da Universidade de Northwestern que trabalhou muito com intersexuais, disse que é necessário que os pais decidam o sexo da criança, como vão tratá-la, mesmo sem submetê-la a uma cirurgia. Não sei se concordo com essa visão, mas, certamente, há muita pressão externa para definir o sexo de uma criança. Por exemplo: quando ela for à escola, que banheiro vai usar? Ela pode, inclusive, ficar marginalizada dos grupos se não se decidir se vai ficar com os meninos ou as meninas. Por outro lado, sou favorável a dar mais liberdade para as crianças, a dar tacos de baseball também para as meninas e bonecas também aos meninos.

Uma criação como essa poderia acabar com coisas como o machismo, o feminismo, o preconceito contra os homossexuais?
Callahan – Sim, absolutamente. Mudaria completamente a situação da homofobia. De certa forma, as pessoas ficam amedrontadas de pensar dessa maneira, sem gêneros, e é por isso que elas pensam que têm que escolher entre uma ou outra opção. Os transexuais, aqueles que veem a si mesmos como do sexo oposto ao que têm, estão entre os mais discriminados nos Estados Unidos. Isso acontece porque somos criados com essa ideia muito fixa e clara de pertencer a um ou a outro. Os pais costumam dizer: “Você pode ser o que quiser quando crescer”. De fato, você pode ser tudo o que quiser, menos do sexo oposto.

Como o senhor acha que a sociedade deveria lidar com os casos de intersexuais?Callahan – Na minha opinião, na maioria das vezes, não há nada a ser feito do ponto de vista cirúrgico na infância. Não é uma condição que ameace a vida nem que necessite tratamento imediato. No primeiro momento, essas pessoas precisam de um acompanhamento com um pediatra muito competente, provavelmente acompanhado de um endocrinologista, de um assistente social e de um psicólogo. Isso deve ajudar a própria criança a decidir, mais para frente, o que deve de fato ser feito.

O episódio Which sex am I? da série My Shocking Story (Minha história chocante), exibida pela Discovery, mostrou o caso de uma mulher que não se conforma de ter sido submetida a uma cirurgia para extirpar testículos internos sem o seu conhecimento. Seus pais disseram que ela ia retirar uma hérnia. Essa situação é comum em casos de intersexuais?
Callahan – É surpreendentemente comum. Todas as quatro pessoas com quem falei para o livro chegaram à idade adulta sem saber o que tinha sido feito a elas quando crianças e apenas uma conseguiu manter uma boa relação com os pais. Os pais tentaram fazer o melhor, mas não perceberam que tinham a opção de não operar. Não sei se você chegou a ver, mas há cerca de um ano, o programa da Oprah Winfrey recebeu vários intersexuais que não tinham feito nenhuma cirurgia e levavam uma vida sexual satisfatória. Eles não sentiram necessidade de alterar o modo como eram e viviam bem. Outros especialistas conhecem muitos casos semelhantes. O problema é não ter uma palavra para se referir a essas pessoas.

O mesmo documentário mostrou o caso de uma criança indonésia que, antes de completar 2 anos, foi submetida a uma cirurgia para se tornar um menino. Os pais praticamente tiveram que escolher o sexo da criança. O que o senhor acha de situações como essa?
Callahan – Em geral, nesses casos, a função reprodutiva é a primeira a ser levada em conta. O prazer sexual acaba ficando em segundo plano por causa da mentalidade das pessoas. Na minha opinião, se há pessoas nessas condições que se mostram sexualmente satisfeitas, mesmo que não possam ter filhos biológicos, essa deveria ser a prioridade.

É possível comparar a nossa noção de gênero com a de outras espécies?
Callahan – No caso dos répteis, por exemplo, a temperatura do lugar onde estão os ovos pode determinar o sexo dos filhotes. Nenhuma espécie, é claro, tem as mesmas características que nós, e elas variam de formas muito diferentes entre as espécies. Mas há uma espécie de primata, os bonobos, que é muito próxima de nós: dividimos com eles 98% do nosso DNA. Entre os bonobos, a interação sexual vai muito além do que apenas uma forma de reprodução. Esses e outros primatas usam o sexo de muitas outras formas: para negociar, para ganhar comida, para prevenir agressões. Há muitas interações entre machos e fêmeas que não têm nada a ver com a concepção de filhotes. São espécies muito próximas a nós e acho que demonstram que o sexo tem outras funções, que reprimimos por causa da herança cristã.

O senhor acredita que a ciência saberá explicar melhor a homossexualidade, por exemplo?
Callahan – Um dos pontos relacionados ao gênero é a orientação sexual e não entendemos a biologia envolvida nisso. Se entendermos o sexo como um espectro, podemos entender a orientação sexual da mesma maneira – e não dividida apenas em homossexuais e heterossexuais. É importante lembrar também que, mesmo não havendo nenhuma chance reprodutiva, o comportamento homossexual deve ter vantagens biológicas. Se elas não existissem, ele teria sido eliminado muito tempo atrás. Há outras funções do sexo que não enxergamos nessa tentativa de simplificar. Tentamos dividir em preto e branco, mas a realidade não é assim.

Como o senhor imagina que será o mundo com relação aos gêneros no futuro?Callahan – Assisti a um filme, Milk, em que o personagem principal, Harvey Milk (interpretado por Sean Penn, ganhador do Oscar de melhor ator), é assassinado porque é homossexual. Hoje em dia, principalmente nas cidades grandes, estamos muito mais confortáveis com os homossexuais e mais cientes da variedade de orientação sexual entre as pessoas. A grande vantagem para a população homossexual é que muitos deles são muito bem educados e razoavelmente bem de vida e podem levar a causa adiante. No caso dos intersexuais, as coisas são mais difíceis, por ser um número muito pequeno de pessoas. Mesmo assim, espero que, num futuro não muito distante, consigamos superar algumas de nossas crenças a respeito da definição de gênero. Que as pessoas consigam entender que os seres humanos têm formas variadas e que essa é a natureza da biologia. E a orientação sexual é uma delas. E que tudo seja visto simplesmente como uma face da humanidade. Talvez digamos às crianças: “Você é um ser humano como todos os outros e é diferente de todos os outros, como todo mundo.”

Fazendo um pouco de "Gnero"

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