segunda-feira, 26 de julho de 2010

Estatuto do Homem

Em "homenagem" ao Dia do homem: o Estatuto do Homem de Thiago Mello.

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)
A Carlos Heitor Cony

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.


Santiago do Chile, abril de 1964

Agradeço a dica de Priscila.
fonte:http://www.revista.agulha.nom.br/

domingo, 18 de julho de 2010

Dia do Homem?!



Dia 15 de julho: Dia do Homem. Para minha surpresa, a data é um fato e parece que intenciona "pegar", ainda mais se depender do mercado. A reportagem a seguir é esclarecedora e inclui os dois pontos de vista. Tendo a me posicionar aos depoimentos oferecidos no final, ou seja, que uma data comemorativa surge para homenagear lutas das minorias e "homem, branco e heterossexual", como dito, já possui seu dia: TODO DIA!


Dia do Homem: gênero masculino deve ter data?
POR ENQUANTO, PROPOSTA AINDA É POUCO DIFUNDIDA


Cristina Severgnini
cristina@gazetadosul.com.br

Hoje é o Dia do Homem. Mesmo sem fé pública, a data está entrando para o calendário de comemorações nacionais. Ainda bem menos difundida do que o Dia da Mulher, a data dedicada a eles existe desde 1999 e foi proposta pelo então líder soviético Mikhail Gorbachev, como incentivo para os homens cuidarem da saúde e destacar os papéis positivos desempenhados pelo gênero masculino. Com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), a celebração começou a ocorrer em vários países, no dia 19 de novembro.

Porém, no Brasil, embora sem nenhum decreto governamental, o Dia do Homem é comemorado em 15 de julho, e possivelmente seja a mais nova data festiva do calendário comercial. Produtos estão começando a ser lançados e lojas anunciam a homenagem como mais uma possibilidade de incremento nas vendas.

Como ainda não se trata de uma data tradicional, as pessoas têm dúvidas sobre como comemorar e o que seria mais apropriado. No Dia da Mulher, muitas empresas dão flores com um delicado cartão às suas funcionárias. Mas, de que forma poderão homenagear seus trabalhadores no Dia do Homem? Será que é data para dar mimos? Flores são adequadas?

Outra peculiaridade é que agora existe uma data que os homens esperam que as mulheres lembrem. Até então, cabia a eles não esquecer do Dia da Mulher, da Sogra, da Secretária, do aniversário de casamento e até a data dos namorados era tomada como um teste sobre as reais intenções românticas masculinas. Agora, é a vez de eles ficarem na expectativa: se as mulheres irão festejar a data e qual al proporção das demonstrações de apreço.

Entre as mulheres, algumas consideram a data uma oportunidade de retribuir a atenção recebida no dia dedicado a elas. Para a professora Célia Carvalho Lacerda, que também ocupa um cargo normalmente masculino como patroa do CTG Tio Itia, a data deve servir para repensar o papel do homem e da mulher. “Ninguém é superior e todos devem se respeitar”, salienta. “No tradicionalismo gaúcho, sinto igualdade e respeito, e os homens devem ser vistos como parceiros que nos dão apoio”, diz.

Segundo o historiador Mozart Linhares, as datas comemorativas relacionadas a gênero, etnia e outros, têm por objetivo marcar o quanto esses grupos são representativos de movimentos de luta por direitos e reconhecimentos. “São caracterizados justamente por marcarem uma identidade e um campo de lutas sociais”, comenta. “Não se comemora a normalidade e sim o que rasura, o que não é a norma”, diz. “Por isso, existe o Dia do Índio, do Negro e das Mulheres.”

“Ser homem, branco e heterossexual é a norma, foi a regra civilizatória do ocidente”, explica. “Toma-se como exemplo as lutas por reconhecimento do movimento feminista durante os séculos XIX e XX, nomeadamente uma luta das mulheres”, diz. “Daí a importância de marcar um dia como símbolo de uma memória de lutas, reatualizado pelas comemorações”, acrescenta. “Por isso, um dia do homem soa no mínimo como uma ironia ou mesmo um contrassenso.”

A coordenadora do Escritório de Defesa da Mulher, Iara Bonfanti, também não vê sentido na celebração, já que não existe nenhum aspecto histórico ou de luta a ser lembrado. “Dia dos homens é todos os dias, pois são eles que mandam.” Ela frisa ainda que as datas comemorativas não devem se restringir ao interesse comercial. “Nós feministas estamos sempre em busca da igualdade”, ressalta.


Para saber

O Dia do Homem, criado há 11 anos por Mikhail Gorbachev, teve como ideia inicial que fosse festejado internacionalmente no primeiro sábado de novembro, mas cada país acabou escolhendo uma data. As primeiras comemorações ocorreram em Trinidad e Tobago, em 19 de novembro de 1999, pelo médico Jerome Teelucksingh. Hoje a data é oficialmente celebrada também na Jamaica, Austrália, Índia, Estados Unidos, Cingapura, Reino Unido e Malta.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

O discurso de recusa de Judith Butler ao Prêmio Coragem Civil

Judith Butler recusa prêmio concedido por organização gay racista. Berlim, 19 de junho de 2010.

When I consider what it means today, to accept such an award, then I believe, that I would actually lose my courage, if i would simply accept the price under the present political conditions. … For instance: Some of the organizers explicitly made racist statements or did not dissociate themselves from them. The host organizations refuse to understand antiracist politics as an essential part of their work. Having said this, I must distance myself from this complicity with racism, including anti-Muslim racism.

We all have noticed that gay, bisexual, lesbian, trans and queer people can be instrumentalized by those who want to wage wars, i.e. cultural wars against migrants by means of forced islamophobia and military wars against Iraq and Afghanistan. In these times and by these means, we are recruited for nationalism and militarism. Currently, many European governments claim that our gay, lesbian, queer rights must be protected and we are made to believe that the new hatred of immigrants is necessary to protect us. Therefore we must say no to such a deal. To be able to say no under these circumstances is what I call courage. But who says no? And who experiences this racism? Who are the queers who really fight against such politics?

If I were to accept an award for courage, I would have to pass this award on to those that really demonstrate courage. If I were able to, I would pass it on the following groups that are courageous, here and now:

1) GLADT: Gays and Lesbians from Turkey. This is a queer migrant self-organization. This group works very successfully within the fields of multiple discrimination, homophobia, transphobia, sexism, and racism.

2) LesMigraS: Lesbian Migrants and Black Lesbians, is an anti-violence and anti-discrimination division of Lesbenberatung Berlin. It has worked with success for ten years. They work in the fields of multiple discrimination, self-empowerment, and antiracist labor.

3) SUSPECT: A small group of queers that established an anti-violence movement. They assert that it is not possible to fight against homophobia without also fighting against racism.

4) ReachOut is a councelling center for victims of rightwing extremist, racist, anti-Semitic , homophobic, and transphobic violence in Berlin. It is critical of structural and governmental violence.

Yes, and these are all groups that work in the Transgeniale CSD, that shape it, that fight against homophobia, transphobia, sexism, racism, and militarism, and that – as opposed to the commercial CSD – did not change the date of their event because of the Soccer World Cup.

I would like to congratulate these groups for their courage, and I am sorry that, under these circumstances, I am unable to accept this award.