quarta-feira, 3 de março de 2010

Uma guerreira chamada Treut.




O CCBB apresenta, com o apoio do Instituto Goethe, a retrospectiva “Guerreira das Imagens: Monika Treut”. Com a presença da cineasta em debates e sessões, a mostra exibirá todos os seus catorze filmes – a maioria inédita no Brasil e os demais só vistos no circuido dos festivais –, além da videoinstalação “Aotearoa”, sobre a cultura neozelandesa. Monika é uma cineasta que inovou a linguagem do cinema independente e seus filmes retratam pessoas que superam os papéis que as respectivas sociedades lhes atribuem: são lutas feministas, lutas sociais, lutas por identidade sexual, lutas políticas. Uma grande oportunidade para o espectador brasileiro ver Guerreira da luz, documentário de 2001 sobre Yvonne Bezerra de Mello e seu trabalho com meninos de rua do Rio de Janeiro; seu premiado Generonautas (Gendernauts); e de conferir seu último filme Fantasma (Ghosted).

Em seguida, a entrevista publicada no JB ONLINE:

A alemã Monika Treut promove mostra de seus filmes no CCBB

Carlos Helí de Almeida, Jornal do Brasil


RIO DE JANEIRO - Relegadas ao segundo plano pelo cinema comercial, as personagens femininas e suas lutas – políticas ou sexuais – têm uma defensora de respeito na cineasta alemã Monika Treut, que está no Brasil para a abertura da retrospectiva de sua obra, em cartaz a partir desta terça-feira no Centro Cultural Banco do Brasil. São 10 longas-metragens e quatro curtas que trabalham o universo feminino (ou feminista) no contexto de suas lutas do dia a dia, – representado pelo trabalho social da artista plástica carioca Yvonne Bezerra de Mello, protagonista do documentário Guerreira da luz (2001), ou na tragédia envolvendo uma videoartista alemã e sua amante taiwanesa de Fantasmas (2009). Lésbica assumida, Monika viaja pelo mundo fazendo filmes que devolvem à mulher seu real lugar no cinema independente.

– Eu me identifico com a comunidade do cinema independente queer (homossexual). Nós, de certa forma, estamos construindo uma globalizada de baixo para cima, onde pessoas reais e artistas de diferentes culturas se encontram e trabalhar juntos para entender nossas diferenças e semelhanças – explica a diretora de 55 anos em entrevista ao Jornal do Brasil.

Qual o significado para a senhora dessa retrospectiva no Brasil?

É uma felicidade para mim, uma grande honra ter meus filmes exibidos no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de de São Paulo. Como trabalhei no Brasil mais de uma década atrás, fiz muitos bons amigos no país, é como se fosse uma minha segunda casa. Tenho grande respeito por meus colegas brasileiros e sempre que posso os acompanho no circuito de festivais internacionais.

Em que circunstâncias conheceu o trabalho de Yvonne Bezerra de Mello?

Conheci Yvonne por intermédio de uma amiga comum, uma jornalista, quando morei em Nova York. Essa amiga insistia para que eu conhecesse a Yvonne e arranjou um modo de nos encontrarmos. Quando isso finalmente aconteceu, passamos um dia inteiro conversando. Para minha sorte, logo depois fui convidada para participar do Festival Mix Brasil e então pude conhecer o trabalho de Yvonne na favela da Maré, as crianças atendidas pelo projeto, as pessoas que a ajudavam, seus amigos e familiares. O projeto Uerê, que ela dirige, me tocou profundamente, o que só aumentou o meu respeito por sua coragem e sua força e pelo método que ela desenvolveu para trabalhar com crianças carentes. Então escrevi o roteiro para o documentário e consegui recursos para o projeto com a ajuda de um fundo para cinema e uma TV alemães.

A senhora já sofreu preconceito por ser abertamente uma cineasta lésbica?

Ah, sim, já fui várias vezes vítima de rejeição e reações desagradáveis por causa disso. Certa vez, quando eu dava aula de cinema em um colégio só de meninas em um estado do Sul dos EUA, um grupo de cristãos fundamentalistas montou um protesto contra mim na porta da instituição. Eles seguraram cartazes que diziam coisas do tipo: “Projetam nossa comunidade!”, ou “Lesbianismo não é normal!”. Também ligaram para o colégio e exigiram que eu fosse mandada de volta para a Alemanha, porque temiam que eu fosse uma má influência para as estudantes.

O que a fez se especializar em filmes sobre a sexualidade feminina e mulheres marginalizadas?

Quando comecei a fazer filmes, no início dos anos 80, não havia muitas histórias sobre mulheres fortes. A maioria dos personagens femininos dos filmes produzidos na época eram mostradas como criaturas sofredoras. Frequentemente, elas eram mostradas como vítimas ou coadjuvantes em filmes de ação masculinos. Sentia falta de mulheres fortes no cinema. Fiquei feliz pela oportunidade que tive de poder fazer filmes sobre mulheres fortes, interessantes e incomuns.

A retrospectiva inclui seu filme mais recente, Ghosted. O que a senhora pode dizer sobre esse filme, rodado na Alemanha e em Taiwan?

É uma tentativa de construir uma ponte entre a Europa e a Ásia, usando a morte como tema. Na Alemanha, assim como na Inglaterra, desenvolvemos a tradição de contar histórias góticas sobre pessoas amadas que morreram. Basta lembrar de Edgar Allen Poe ou os romancistas alemães E.T. A Hoffman e Tieck, entre outros. A figura da pessoa amada que voltava dos mortes para assombrar os vivos era uma obsessão para eles. Histórias de fantasmas também são uma tradição na Ásia, particularmente em Taiwan. É uma forma de lidar com a perda da pessoa amada. Também perdi um amigo próximo recentemente e escrevi esse roteiro como uma tentativa de trabalhar com esses sentimentos tristes. Já tinha feito dois filmes em Taiwan antes e fiz grandes amigos por lá. Então, dessa vez foi possível fazer a primeira coprodução oficial entre os dois países, com atores e equipe técnica dos dois continentes.

Ainda se identifica com a cena independente alemã?

Cresci à sobra do chamado Novo Cinema Alemão dos anos 70, assistindo a filmes de Fassbinder, Herzog, Wenders e Schroeder. Tiveram grande impacto em minha formação. Quando passei a fazer filmes, nos anos 80, eu me tornei meio nômade, filmando nos Estados Unidos, México, Brasil e, às vezes, na Ásia. Então, não me considero muito próximo da minha própria cultura (cinematográfica), me identifico mais com a comunidade do cinema internacional do independente queer. Nós, de certa forma, estamos construindo uma globalizada de baixo para cima, na qual pessoas reais e artistas de diferentes culturas se encontram e trabalhar juntos para entender nossas diferenças e semelhanças.


.19:19 - 01/03/2010

Me pergunto: até que ponto a fragilidade não é uma força? Outro dia, um amigo me fez essa colocação: "Hoje todos tem medo de se mostrar frágil. Qual o problema de você se assumir dependente do outro?". Achei uma boa problematização...As mulheres lutando por "força" me parece estarem na mesma lógica masculina dominante, não? De qq jeito, não pretendo perder a mostra!

SERVIÇO

Data: De 02 a 14 de março
Local: Cinema 1 Rua Primeiro de Março, 66 - Centro
Bilheteria/Informações: Terça a domingo, das 10h às 21h Telefone: (21) 3808-2007
Classificação: Livre

CCBB São Paulo: 10 a 21 de março
Debate dia 13 de março, sábado, com Monika Treut, Suzy Capó (diretora do Mix Brasil) e Roberto Moreira (cineasta)

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